Gina Marocci

A nossa viagem pela história da urbanização do Campo Grande carece de informações em mapas ou levantamentos fotográficos que mostrem com mais clareza o processo de ocupação do envoltório da praça. O que temos acerca do largo são fotografias do final do século XIX e início do século XX que nos dão uma indicação, mesmo que incompleta, da paulatina ocupação da área bem como das características arquitetônicas das edificações.

A fotografia mais antiga é da década de 1870, de autoria do suíço Guilherme Gaensly que, após aprendizado com o fotógrafo alemão Alberto Henschel, abriu um estúdio em Salvador em 1871. Na fotografia, Gaensly se posiciona no início da atual Avenida Araújo Pinho e podemos conferir que o Campo Grande era apenas um largo retangular com arborização em um dos lados, esta por iniciativa dos anglicanos que moravam na região.

Podemos observar casas térreas e sobrados entre a vegetação e lampiões que faziam parte da iluminação pública. Na fotografia atual, as árvores, antigas e novas, tomam conta da paisagem.

Do lado esquerdo da fotografia, três sobrados, que estão bastante modificados, indicam a divisão de lotes ainda com construções que ocupam a testada do terreno, sem recuo frontal ou lateral, com platibandas que coroam as fachadas.


À esquerda, vista geral do Campo Grande (c. 1870, Gaensly) e vista atual (Google maps, 2022)

Na região ocupada atualmente pelo Teatro Castro Alves e pela Concha Acústica, havia duas construções com características arquitetônicas da segunda metade do século XIX: porão alto; jardins frontais; janelas envidraçadas. Em ambas, a fachada principal era de oitão, ou seja, apresentava a inclinação das águas do telhado.

As duas casas tinham as fachadas ricamente ornamentadas, e o sobrado era residência do médico soteropolitano e professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Antônio Pacífico Pereira (1846-1922).  

Na fotografia de Lindemann e Gaensly vemos um terceiro edifício, na esquina com a Avenida Leovigildo Filgueiras, onde funcionava o Hôtel des Étrangers.


Edificações do Campo Grande (c. 1890, Lindemann e Gaensly) e o Teatro Castro Alves (Google maps, 2022).

Num dos lados maiores do largo, casas de porão alto e uma imponente construção térrea, com jardim frontal e implantada no centro de um grande lote, foram registradas em outra fotografia de Gaensly, na qual podemos ver os lampiões sobre um estreito passeio e a falta de pavimentação do caminho á frente das construções.

Neste lote, em 1941 foi inaugurado o Clube Carnavalesco Cruz Vermelha, cujo edifício eclético abriga hoje a Fundação João Fernandes da Cunha.

Os sobrados deram lugar ao Hotel da Bahia, uma iniciativa do governador Octávio Mangabeira, que o inaugurou em 1952. Projetado pelos arquitetos Diógenes Rebouças e Paulo Antunes Ribeiro, grandes expoentes da arquitetura moderna brasileira, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultura da Bahia em 2010.


Edificações do Campo Grande (c. 1870, Gaensly) e o perfil atual (Google maps, 2022)

Defronte a esses edifícios havia, até 1975, o único exemplar de arquitetura religiosa no local: a primeira capela da igreja Episcopal Anglicana do Brasil em Salvador, inaugurada em 1853. No seu lugar foi construído o Edifício Britania Mansion.

A primeira fotografia, possivelmente dos primeiros anos do século XX, já apresenta o Campo Grande como uma praça cercada, com coreto e canteiros de vegetação definidos.


Capela anglicana do Campo Grande (c. 1900) e o prédio construído no mesmo local

A primeira intervenção de grande porte realizada no Campo Grande ocorreu na última década do século XIX, quando foi instalado o monumento ao 2 de julho, em 1895, obra de arte feita na Itália em bronze, ferro fundido e mármore de Carrara. O artista italiano foi Carlo Manfredi, vice-cônsul, e a montagem ficou sob a responsabilidade do engenheiro Antônio Augusto Machado. Melhorias foram realizadas como a colocação de maior quantidade de lampiões, bancos, coretos para apresentações e espelhos d’água.


O Campo Grande no início do século XX

Ao longo do século XX foram várias reformas, mas o Campo Grande, mesmo envolto em vias de tráfego movimentado, é um oásis dentro da cidade. As árvores frondosas o ano inteiro, os caminhos por elas sombreados e o momento tão significativo para a nossa história. Não apenas política, mas das famílias que usufruem dela nos finais de semana, e por isso ela continua a ser a praça mais importante para o coração do soteropolitano.


Vista interna do campo Grande (Google maps, 2022)

Colunas anteriores
Ver mais notícias desta seção: mais recentes · mais antigas