A organização do Exército Pacificador (alguns autores o chamam de Exército Libertador) ficou sob a responsabilidade do general Pedro Labatut, que distribuiu os soldados em três brigadas. Elas se instalaram nas regiões do Cabrito-Campinas-Pirajá (atualmente, Subúrbio Ferroviário), perto de Itapuã e no miolo da cidade.
O objetivo era fazer um cerco à cidade e impedir que as tropas portuguesas fossem abastecidas com alimentos.
Os moradores de Salvador, os que não tinham propriedades ou parentes nas vilas do Recôncavo, também sofreram com essa situação de penúria e de medo.
A batalha mais conhecida ocorreu em Pirajá, Coqueiro e Cabrito, em novembro de 1822, quando 250 soldados portugueses atacaram as tropas brasileiras nas praias de Itacaranha e Plataforma, também na região que chamamos de Subúrbio Ferroviário, enquanto outro grupo atacava em Pirajá. Essa batalha envolveu cerca de 4 mil soldados.
Ao mesmo tempo, outras tropas portuguesas atacaram brasileiros entre o Rio Vermelho e Armação, na orla atlântica, em direção a Itapuã.
Há registros que indicam a participação de Maria Quitéria em embates na região da Pituba, no mês de outubro de 1822, e em fevereiro de 1823, em Itapuã. A jovem combatente não foi a única mulher a lutar entre os homens, mas os registros são poucos e sucintos. Reconhecida como Patrona do Corpo Auxiliar do Exército Brasileiro, por sua relevância nos combates, seu retrato está em todos os quartéis do país.
A batalha de Pirajá (Caribé, 1978)
Em dezembro de 1822, um novo confronto ocorreu entre as tropas na Lapinha, em Brotas e no Engenho da Conceição. Ao findar o ano de 1822, as tropas brasileiras estavam posicionadas em Campinas de Brotas, na Graça/Vitória, em Ubaranas, Cabula e Resgate, além dos outros pontos já mencionados.
Esses embates tinham o objetivo de encurralar os portugueses, expulsando-os de algumas áreas da cidade, contudo a fome era grande em ambos os lados. Do lado brasileiro, assim como a carência de cuidados médicos, havia combatentes doentes. Porém, os soldados portugueses, uma boa parte deles, já havia participado das guerras napoleônicas, enquanto que os combatentes brasileiros eram homens pobres, pequenos proprietários, escravos libertos ou não, e indígenas.
A insatisfação era grande entre eles e, também, entre os latifundiários e ricos comerciantes, que tinham enviado seus escravos para servir no Exército Pacificador. Eles temiam que ao final da guerra seus escravos fossem libertados, ou que ao lutar lado a lado com homens livres tivessem atitudes autônomas em busca de sua liberdade.
No início de 1823, outra derrocada para os portugueses quando em 7 de janeiro, após várias tentativas de ocupar a ilha de Itaparica, importante para o controle da entrada da Baía de Todos os Santos, eles foram emboscados por brasileiros, que criaram ciladas e armadilhas nas praias, matas e caminhos.
Homens e mulheres, negros, indígenas e brancos, gente simples, lavradores, marisqueiras e pescadores, armados com pedras, machados, facas e paus, atacaram os soldados portugueses que desembarcavam. Maria Felipa, mulher negra nascida na ilha, que trabalhava como marisqueira e ganhadeira, era uma liderança local.
Apesar da escassez de documentos, a tradição oral dos nativos de Itaparica a coloca como voluntária nas lutas da independência; e mais, ela e cerca de 40 mulheres teriam ficado próximas aos locais em que os portugueses desciam dos barcos para observá-los.
Em 7 de janeiro, essas aguerridas mulheres, sob o comando dela, os surpreenderam e deram-lhes surras de cansanção, enquanto outras atearam fogo nos barcos. Em abril, mulheres do Recôncavo, sob o comando de Maria Quitéria se uniram para lutar contra os portugueses na Barra do Paraguaçu.
Maria Felipa retratada por dois artistas e Alegoria ao 7 de janeiro (Chagas)
Em março chegara outro grupo de soldados do Rio de Janeiro, o chamado Batalhão do Imperador, que tinha como comandante José Joaquim de Lima e Silva.
O general Labatut o colocara no comando de uma das brigadas do cerco a Salvador, no entanto, a insatisfação com as ações do general, acusado de abuso de poder e de ser cruel na aplicação da justiça militar, levaram a uma conspiração encabeçada pelo coronel Felisberto Gomes Caldeira para destituir Labatut do comando geral do exército.
Nessa situação difícil, Lima e Silva e outros oficiais perceberam que poderia ocorrer um grande motim, portanto decidiram depor Labatut. No entanto, por trás dessa insatisfação havia os latifundiários que temiam que as promessas de Labatut, como a de criar batalhões de escravos livres, gerassem rebeliões entre os cativos recrutados.
Em 4 de maio, Thomas Cochrane (outro militar que atuou nas guerras napoleônicas), contratado por D. Pedro I para comandar a Armada Imperial Brasileira (só tinha 7 navios contra 13 dos portugueses), travou combate com a marinha portuguesa, que tentava romper o bloqueio do porto de Salvador.
Além do menor número, a munição era pouca ante o poderio dos portugueses, Cochrane, então, decidiu por uma retirada e rumou para Morro de São Paulo.
A estratégia do exército brasileiro era fechar o cerco sobre a cidade e assim ocorreu. No dia 2 de julho, as tropas que estavam em Pirajá entraram na zona urbana da cidade pela antiga estrada das boiadas, que passou a se chamar Estrada da Liberdade.
Ao perceber que não conseguiria manter a cidade sob seu comando, Madeira de Melo decidiu por abandoná-la e embarcar com cerca de 4 mil soldados de volta para Portugal. Segundo a tradição, os soldados brasileiros de Pirajá uniram-se aos que estavam na Lapinha e na Soledade e foram recebidos com um arco do triunfo ornado com flores, obra das freiras do Convento da Soledade.
Outras tropas também chegaram à cidade vindas de Armação e do Rio Vermelho, rumo ao Tororó, Barra, Graça e Corredor da Vitória, e ocuparam os quartéis da Palma, da Gamboa e o Forte de São Pedro, além de São Bento, Piedade e São Joaquim.
Na tela de Presciliano Silva, o comandante Lima e Silva está a cavalo e em sua volta homens a pé. Saudados pelo povo, vemos os encourados, mulheres e homens que passam pelo arco do triunfo cheio de flores. Um exército de descamisados, filhos de uma sociedade colonial.
Lima e Silva (Failutti, Museu Paulista da USP) e a entrada na cidade (Presciliano Silva, 1930)
As lutas pela nossa independência de Portugal expuseram o que de mais triste nós tínhamos enquanto sociedade: a discriminação pela cor da pele, o desrespeito aos indígenas e a desigualdade no tratamento dos menos favorecidos (e o quanto precisamos melhorar como sociedade ainda hoje!).
Por outro lado, a carência de mão de obra para a organização das forças armadas regulares abriu espaço para a aceitação de mestiços e escravos libertos nas corporações. Após negociações entre o governo central e proprietários de escravos, muitos escravos que lutaram pela independência conseguiram manter-se no Batalhão dos Periquitos.
A primeira Constituição foi outorgada em 1824, após tumultuada relação entre os membros da Assembleia Constituinte, instalada em 3 de maio de 1823, e D. Pedro I.
O Brasil estava dividido entre monarquistas absolutos, monarquistas liberais e republicanos, contudo eles representavam uma elite econômica acostumada a usufruir dos lucros da escravidão. A Constituição de 1824 não rompeu com o status quo, ou seja, manteve as estruturas sociais e econômicas e políticas vigentes, que se mantiveram durante o período imperial.
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Para saber mais
DAMASCENO, K. T. 200 anos da Independência do Brasil na Bahia: Maria Felipa de Oliveira e outras tantas “guerreiras brasileiras”. Revista Angelus Novus, ano XII, n. 17, 2021, p. 2-19.
GUERRA FILHO, S. A. O povo e a guerra: participação popular nas lutas pela Independência na Bahia (1822-23). 2004. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.
TAVARES, L. H. D. História da Bahia. 10 ed. São Paulo: UNESP; Salvador: EDUFBA, 2001.