José Grimaldi

Um casal de gatos angorás e o naufrágio salvador

Vamos aos fatos que se seguem


Ilustração: Sora IA

Um antigo jornalista de A Tarde, cujo nome preservo, contou-me esta história, que é cercada de astúcia, oportunismo  e bom humor. O personagem central é um político já falecido, mas que deixou na sua biografia uma boa dezena de casos, que hoje fazem parte do folclore político baiano. Dentre tantos, vamos aos fatos que se seguem.

Em tempos de vacas magras o nosso herói estava “matando cachorro a grito”. A situação era difícil e a grana cada vez mais curta. Encontrando-se no interior do estado, mais precisamente em Ilhéus, procurou um amigo abonado para um imediato socorro financeiro. Necessitava urgentemente de um reforço no caixa. Após aquela já conhecida lenga-lenga o pedido foi atendido e os numerários apareceram rapidamente. Cinqüenta mil cruzeiros. O pagamento deveria ser feito dentro de no máximo 60 dias. Não houve juros, porque na época a inflação não assustava e amigo, que é amigo, não cobra ágio.

Passaram os primeiros sessenta dias e grana, que é bom, nada. Já preocupado com o não recebimento e a tendência do favorecido se tornar um inadimplente, foi feita uma encomenda, na base da permuta, de um casal de gatos angorás, que facilmente se encontravam na região do cacau.

Já sem grana, pois tudo foi torrado, para a cobertura de despesas imediatas e quitar outros débitos, o nosso amigo ficou sem argumentos. Recebia seguidos telegramas e respondia que estava tomando as devidas providências. Ainda não tinha encontrado os gatos como queria. Recados vinham e as respostas eram sempre no mesmo tom. Telegrafo assim que puder.

Já desesperado e sem crédito junto a outras fontes, foi dominado por uma crescente preocupação.

Depois de muito empurrar com a barriga e quando menos imaginava que as preocupações poderiam desaparecer, veio a chance real de superar o embroglio.

O gancho veio ao ler o noticiário de um jornal local, quando viu a notícia do naufrágio do vapor Bahia. Detalhe fundamental : sem sobreviventes. O navio partira dias antes de Ilhéus para Salvador, e, enfrentando forte tempestade, foi a pique. Não pestanejou, e numa sacada genial, foi ao escritório local dos Correios e Telégrafos, mandando, em regime de urgência, urgentíssima,  o seguinte telegrama para o seu paciente credor:

Caro amigo,

Quitando nossa dívida, conforme acertado, segue pelo vapor Bahia, aos cuidados do imediato, o casal de gatos angorás.

Confirme recebimento.

Pt saudações

Fulano de Tal

Para um bom entendedor, meia palavra basta! Os bichanos morreram afogados,  mesmo tendo sete vidas.