Gina Marocci

A história de uma avenida chamada Joana Angélica - III

A Avenida Joana Angélica está rendendo a conversa. Hoje vamos falar ainda do trecho Piedade/Desterro, sobre seus edifícios singulares e os interessantes nomes de algumas ruas transversais à avenida. Logo após o Convento da Lapa temos o Colégio Central da Bahia, o primeiro colégio público de ensino em nível secundário do Brasil.

Fundado em 1837, o Liceu Provincial da Bahia funcionou, inicialmente, no Convento da Palma dos frades agostinianos. No final do século XIX ele já tinha sede própria em um grande terreno, com diversos pavilhões erguidos no final do século XIX e ao longo do século XX (o último pavilhão foi inaugurado na década de 1970).

Após a proclamação da República passou a se chamar Instituto Oficial de Ensino Secundário e, depois, Ginásio da Bahia.


O Colégio Central e os dois primeiros pavilhões e o último, construído na década de 1970

Cada pavilhão recebeu o nome de pessoas ilustres, das quais destacamos dois baianos afrodescendentes. O pavilhão central é chamado de Carneiro Ribeiro, em homenagem ao médico e literato baiano, Ernesto Carneiro Ribeiro (1839-1920), nascido em Itaparica, que elaborou a primeira gramática da língua portuguesa falada no Brasil. Outro baiano ilustre, também médico e político, nascido em Inhambupe, é Sátiro de Oliveira Dias (1844-1913), que ocupou o cargo de Diretor Geral da Instrução Pública na Bahia, batiza um dos pavilhões como Sátiro Dias.


Carneiro Ribeiro e Sátiro Dias

Em um dos pavilhões do complexo do Liceu Provincial da Bahia foi instalada a Escola Normal (1836) para formação de professores das primeiras letras. Apesar de ter sido criada em 1836, a Escola Normal da Bahia só iniciou as atividades em 1842 por causa da Revolta dos Malês contra a escravidão (1835) e da Sabinada (1837-1838), que buscava fundar uma república na Bahia.

Os dois eventos contavam com grande participação de professores. Essas escolas profissionalizantes foram instaladas nos liceus provinciais da época em todo o país.

O prédio da Escola Normal da Bahia foi inaugurado em 1900, um belo sobrado com jardim frontal, janelas e portas em arco ogival, e singela platibanda vasada com frontão triangular.

Nele funcionaram também a Faculdade de Filosofia, o Colégio Aplicação e o Instituto de Letras, todos vinculados à UFBA, e atualmente ele é sede do Ministério Público da Bahia.


Prédio da Escola Normal da Bahia

Defronte ao Central temos a Rua da Mouraria, que já se chamou Santo Antônio da Mouraria por conta da igrejinha dedicada ao frade franciscano tão querido. Apesar de ser tombada desde 1938 (SPHAN), a igrejinha (século XVIII) sofreu várias intervenções que a descaracterizaram. Esta rua é o principal acesso ao Quartel General da 6ª Região Militar e ao Convento de Nossa Senhora da Palma (séculos XVII/XVIII).


Igreja de Santo Antônio da Mouraria, Convento e Quartel da Palma

Afinal, tivemos uma mouraria como nos moldes das cidades portuguesas e espanholas? Bem, primeiro precisamos entender quem seriam os mouros.

Na Europa, os mouros, mauritanos ou sarracenos eram os povos islamitas, provenientes do norte da África (Marrocos, Argélia, Mauritânia e Saara Ocidental), que invadiram a Península Ibérica e outras áreas da Europa durante a Idade Média.

Para encurtar a história, eles viviam nas cidades em Portugal e na Espanha em bairros separados dos cristãos. Contudo, os ciganos também eram chamados de mouros, mesmo que não fossem muçulmanos.

No caso de Salvador, os primeiros ciganos chegaram em 1718 como degredados de Portugal.

O Marquês de Vila Verde, governador-geral da época, determinou que eles ficassem na Freguesia de Sant’Ana, onde hoje temos o quartel, portanto, a região ficou conhecida como Mouraria.

Chegamos ao Campo da Pólvora, que tem uma longa história a ser contada, mas não o farei ainda, pois pretendo escrever mais detalhadamente sobre cada praça de Salvador. Inicialmente, este largo se chamava Campo do Desterro, pois o Convento era o referencial para esta área fora dos muros da cidade.

No século XVII foi construída a Casa da Pólvora onde se fabricavam a pólvora e outras munições. Nesta região havia, também, um cemitério para indigentes e escravos. Foi, também, o local da execução dos líderes da Revolução Pernambucana de 1817 e, por isso, recebeu o nome de Campo dos Mártires.

No período imperial o nome foi mudado para Praça D. Pedro I, mas em 1961 o poder municipal restabeleceu o nome pelo qual ele ficou conhecido: o Campo da Pólvora. No início do século XX era o campo do futebol, com disputas oficias, mas sem arquibancadas. As pessoas colocavam bancos e cadeiras para assistir aos jogos.

O grande marco arquitetônico do Campo da Pólvora é o Fórum Ruy Barbosa, imponente construção da primeira metade do século XX. Temos dois mapas, o primeiro de 1894 e o outro de 1955.

Podemos verificar que esta região se adensou rapidamente na primeira metade do século XX, com ruas bem definidas e lotes ocupados. Defronte ao fórum está indicada a Rua do Ferraro, em vermelho.


O Campo da Pólvora e a Rua do Ferraro (em vermelho)

Ao seguirmos adiante vamos encontrar, no mapa de 1894, o final da Rua do Ferraro, que dá acesso à Rua da Fonte Nova das Pedras, atualmente chamada de Ladeira da Fonte das Pedras.

Sabe-se que Francisco Ferraro foi um empreendedor, que construiu vários imóveis nessa região e nela morou no número 149, um belo sobrado da primeira metade do século XIX, com térreo, andar nobre e sótão, que é conhecido como Palacete Ferraro, tombado desde 1938 (SPHAN).

Nele funcionou a Escola Nossa Senhora Auxiliadora da conhecida educadora Anfrísia Santiago, e atualmente pertence ao Ministério Público da Bahia, responsável pela última reforma e adaptação.


Trecho do Desterro com o Palacete Ferraro e o convento

O Convento de Nossa Senhora do Desterro domina a paisagem e faz parte do acervo arquitetônico tombado desde 1938. Na região, que fica em um platô separado do centro histórico pela Baixa dos Sapateiros (antigo vale do rio das Tripas), foi erguida uma ermida no século XVI em devoção à Sagrada Família.

No século XVII, a pedido das famílias mais abastadas, foi instalado o Convento de Santa Clara do Desterro, fundado pelas clarissas, religiosas portuguesas da cidade de Évora, e foi o primeiro convento feminino instalado no Brasil.


Convento de Santa Clara do Desterro

Assim como no Convento da Lapa, ele possui um mirante que se destaca do corpo do convento, que se desenvolve em torno de dois pátios internos separados pelo corpo da igreja, que possui uma torre sineira arrematada por bulbos.


Os dois pátios internos e a torre da igreja do convento

No próximo texto nós concluiremos o passei pela história da Avenida Joana Angélica.

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Para saber mais

CARRAZZONI, M. E. (coord.). Guia dos Bens Tombados. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1980.

LIMA, D. K. de. Memória do Colégio Estadual da Bahia – Central: trajetória de excelência, declínio e descaso. Salvador: Biblioteca Virtual Consuelo Pondé. Disponível em: <http://www.bvconsueloponde.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=145>. Acesso em: 12 set. 2022.

DOREA, L. E. História de Salvador nos nomes das suas ruas. Salvador: EDUFBA, 2006.