Gina Marocci

Histórias (de beleza e dor) que a Praça da Piedade esconde - Final

Uma riqueza de história e arquitetura

A sede da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA), inaugurada em 1937, é uma edificação que chama bastante atenção pela volumetria e pelas características arquitetônicas, diferentes dos edifícios que já analisamos.

O envoltório da praça tem prédios ecléticos, neomanuelino e neogótico, representantes do finalzinho do século XIX e das primeiras décadas do século XX. No entanto, a sede da SSP-BA tem uma linguagem arquitetônica bem distinta: o Art Déco.

O arquiteto franco-belga Auguste Perret foi o maior expoente dessa linguagem arquitetônica, que se expressa com a modernidade do uso do concreto armado e a ousadia de buscar a verticalidade e o geometrismo nas composições, mas a maior influência nas Américas foram os monumentais arranha-céus de Nova Iorque, com linhas retas e volumes escalonados.

O prédio da SSP-BA ocupa cinco lotes nos quais, anteriormente, havia pequenas edificações que podiam ser apenas de uso residencial ou, então, de uso misto.

Ao analisar as características dele, vemos que o projetista (não consegui saber quem foi) trabalhou a proposta enfatizando a verticalidade e a volumetria dividida em blocos e escalonada; a presença de grandes vãos vazados nos dois corpos mais baixos evidencia a estrutura em concreto armado e deixa o resultado mais leve.


Praça da Piedade com a SSP-BA (c. 1940) e lotes com as antigas edificações em vermelho (1935)

Os últimos prédios a analisar ficam na Avenida Sete de Setembro: os edifícios Piedade e Alliança. Eles são dois exemplares, possivelmente, ainda da primeira metade do século XX e aparecem no mapa de Salvador datado de 1955 e numa fotografia, e representam o avanço da técnica construtiva em concreto armado que promoveu, principalmente, a verticalização das edificações. É muito interessante ver o contraste entre esses dois prédios e os sobrados ao lado deles.

Os sobrados de até três pavimentos mantinham uma linguagem semelhante, com o ritmo de vãos de portas no térreo e janelas a partir do primeiro andar, platibandas coroando as fachadas e encobrindo os beirais. A inserção dos prédios modificou a paisagem e, naquela época, os colocou como nova referência para a localização dos pedestres.


Os edifícios Piedade e Alliança (c. 1950)

O edifício Piedade, em vermelho no mapa de 1955, construído antes de 1948, é uma construção em concreto armado com térreo mais cinco pavimentos, com loja e escritórios.

O térreo, onde há espaço para uma loja, tem um pé-direito alto, marcado por uma pequena marquise, e nos outros pavimentos as paredes de vedação, onde estão os vãos de janelas, são levemente recuadas em relação às faixas horizontais de alvenaria que separam cada andar.

Espremido entre dois prédios com maiores dimensões, ele perdeu seu protagonismo como referência do lugar.


Fachada principal do edifício Piedade e sua localização no mapa de 1955

O edifício Alliança é um prédio de esquina, entre a Avenida Sete e a Rua da Forca. O projetista elegeu o partido arquitetônico em L, que se desenvolve com o pavimento térreo, também com pé-direito elevado, mais seis andares. Suas dimensões são monumentais, quando comparadas às do edifício Piedade.

No pavimento térreo há o espaço para loja, protegido por uma marquise, enquanto que nos outros andares há escritórios e apartamentos com dois quartos (pelo menos é o que está nos reclames para venda e aluguel).

A forma e a posição do terreno deram possibilidade ao projetista de abrir vãos de ventilação e iluminação em todos os lados.

Os dois andares acima do térreo têm as paredes de vedação alinhadas à fachada enquanto que os demais pavimentos possuem varandas.

Apesar da descaracterização das esquadrias de madeira, ainda podemos ver as janelas originais e, em algumas delas, antigas venezianas metálicas do lado externo. Assim como o edifício Piedade, o Alliança perdeu-se como referência para o caminhante.


Fachada do edifício Maísa e sua localização no mapa de 1955

Em 1948, Roberto Burle Marx, artista plástico e paisagista brasileiro (1909-1994), foi contratado pela Prefeitura para fazer os projetos das praças da Piedade, Campo Grande e do Terreiro de Jesus, porém apenas esta última teve a proposta executada (1950-1951).

Como é de praxe nos espaços públicos, o projeto de Burle Marx foi substituído por outro, e depois, mais outro, até 2019, quando a Fundação Mario Leal Ferreira, vinculada à prefeitura, resgatou a proposta do paisagista e fez algumas atualizações.

Na primeira fotografia vemos a praça com o projeto original; na fotografia aérea, o projeto atual. Apesar de não termos acesso ao projeto para a Praça da Piedade, com certeza as linhas sinuosas e as formas ameboides, características de alguns projetos de Burle Marx estavam presentes.


Terreiro de Jesus na década de 1950 e em 2019 (Google Maps)

Encerramos o nosso passeio pela história da Praça da Piedade, que também recebeu o nome de Praça 13 de Maio.

A riqueza da história e das arquiteturas encontradas nela muitas vezes nos passam despercebidas por causa dos fluxos de pessoas e de automóveis em sua volta, mas tudo está ali, basta olhar, acima das marquises, com olhos amorosos de filhos da terra.

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Para saber mais

ANDRADE JUNIOR, N. V. O Epucs e a autonomização do campo arquitetônico na Bahia. Salvador: EDUFBA, Coleção arquitetura moderna na Bahia (1947-1951), v. 2, 2019.

BIERRENBACH, A. C. de S. Traços das arquiteturas modernas de comércios e serviços em Salvador no século XX. Disponível em: <https://lab20.ufba.br/sites/lab20.ufba.br/files/tracos_das_arquiteturas_modernas_comerciais_em_salvador_no_seculo_xx.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2023.

MANZO, R. A arquitetura na construção da imagem do Estado Getulista: Rio de Janeiro – 1930/1945. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.

SALVADOR. Atlas Parcial de Salvador. Salvador: Diretoria de Tributação e cadastro Municipal/PMS, 1955.