Gina Marocci

A história do Passeio Público de Salvador - II

Em Salvador a intenção inicial era criar um jardim botânico

Nesta segunda parte do texto o nosso foco é o Passeio Público de Salvador.

Já vimos que os passeios públicos tiveram sua origem nos jardins urbanos de utilização pública que, a partir do século XVIII, se tornaram comuns nas grandes cidades europeias.

A escolha do local para a construção desses jardins privilegiava o contato com a natureza por meio de vegetação exótica e exuberante e de belas paisagens.

Por influência dos jardins holandeses, a paisagem marítima se insere, no século XVIII, como um espetáculo proporcionado pela natureza, admirada nos belvederes (mirantes), que eram terraços para a observação de um belo panorama.

Em Salvador a intenção inicial era criar um jardim botânico, um horto para enviar espécies vegetais a Lisboa.

Em 1803, na administração de D. Francisco da Cunha e Menezes, pensou-se em utilizar o terreno do antigo noviciado dos jesuítas, na Jequitaia, mas foi logo descartado devido à distância do centro da cidade. Adquiriu-se, então, um terreno próximo ao forte de São Pedro, mas o horto não foi implantado.

Coube a D. Marcos de Noronha e Brito, o 8º Conde dos Arcos, a criação do Passeio Público já na segunda década do século XIX.

Ele aproveitou o terreno comprado para o jardim botânico e construiu, com recursos da Câmara, o Passeio Público, que foi inaugurado em 1815.

O projeto se constituiu na construção de um grande terraço com vista para o mar, cercado por balaustradas e com escadarias e estátuas. Um obelisco de mármore foi erguido em comemoração à chegada da família real em Salvador no ano de 1808.

No trecho do mapa de Adolfo Morales de los Rios (1894) vemos a localização do Passeio Público entre os Aflitos e o forte de São Pedro e com a sua dimensão original.


Ao lado do mapa, litografia colorizada do terraço com base em fotografia de Victor Frond (c. 1858)

Em 1859 foram plantadas as palmeiras imperiais por conta da visita de D. Pedro II à Bahia; nesta época também foi construído um coreto para apresentação de bandas de música.

Nas fotografias abaixo podemos ver a vegetação exuberante em volta do singelo chafariz. A bela vista do terraço, ornado com grandes jarros de louça com flores e gradil de ferro, descortinava a Bahia de Todos os Santos aos usuários.

Na década de 1860 foi instalado o primeiro chafariz; o segundo foi em 1863, ano de instalação da iluminação também. Havia a casa de cafés e refrescos, bancos, caramanchões, viveiros de pássaros e estátuas.


Fotografia datada de 1873; a segunda, de Castro y Ordoñez (1862)

Na primeira década do século XX, com a construção da Avenida Sete de Setembro, parte do Passeio Público foi transformada em uma praça isolada, a Praça da Aclamação, que tem ao centro o obelisco em homenagem à família real.

O Palacete dos Moraes, ao lado do Passeio Público, tornou-se a sede do governo do Estado da Bahia na mesma década (falaremos dele em outro texto). Essas ações ocorreram no governo de José Joaquim Seabra.


Postal com o Passeio Público de Salvador (1912) e obelisco da Praça da Aclamação.

Em 1925, no governo de Francisco Marques de Góes Calmon, o Passeio Público foi reformado e melhorado para receber o público infantil. Nas décadas seguintes ele abrigou a Hora da Criança, a galeria Oxumaré, a Boate Manhattam e o famoso Restaurante Perez.

Em 1964 foi instalado o Teatro Vila Velha. No postal de 1952 vemos o belo chafariz de mármore, cuja instalação foi realizada pela empresa francesa Val D’Osne em 1878.

No mapa abaixo, datado de 1955, o espaço original do Passeio Público já está cortado pela Avenida Sete de Setembro. Na parte voltada para o mar vemos o terraço e o desenho dos jardins do Passeio Público e, ao lado do forte de São Pedro, a Praça da Aclamação.


Postal com o Passeio Público e ao fundo o Hotel da Bahia (1952)

Quando ocorreu a transferência da residência dos governadores do Palácio da Aclamação para o Palácio de Ondina (1967), o Passeio Público passou por um longo período de abandono, realidade que só mudou na década de 1990, quando foi realizada uma reforma que incluiu a catalogação e o registro dos bens móveis, como estátuas e hermas, e dos bens naturais, com a identificação de todas as espécies vegetais e a colocação de placas nas 55 árvores seculares, de 15 espécies diferentes.

A situação atual do Passeio público deixa a desejar tanto por conta da falta de manutenção quanto pela insegurança dos usuários. Há deficiência na iluminação e na preservação do espaço, que não é tombado, mas está contíguo ao Palácio da Aclamação que é protegido pelo tombamento em nível estadual desde 2010.

Construções irregulares praticamente taparam a bela vista da baía, apesar das diversas denúncias realizadas por moradores e notícias de jornais. Contudo, o que mais incomoda é que o nosso Passeio Público é um dos poucos que sobraram, que começa sob a lógica da exploração das riquezas da flora brasileira e se consolida na construção de um país nação, portanto ele deveria ser protegido e reconhecido como patrimônio da cidade.

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Para saber mais

MAROCCI, G. V. P. O Iluminismo e a urbanística portuguesa:  as transformações em Lisboa, Porto e Salvador no século XVIII. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

PAZ, D. J. M. Mais Público do que Passeio: a vigência do Passeio Público de Salvador (1815-1894). In: XIII SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO, Brasília, 2014. Disponível em: <https://shcu2014.com.br/cotidiano/394.html>. Acesso em: 1 nov. 2022.

SALVADOR. Atlas Parcial da Cidade do Salvador. Salvador: Prefeitura Municipal, 1955.