A Avenida Joana Angélica tem muita história para contar, que pode ser lida pela arquitetura que ela contém, pois ainda tem preservados exemplares do século XVIII até o século XX, da arquitetura residencial, comercial, escolar, institucional e religiosa.
Atualmente, a avenida começa após a Praça de Piedade e vai até o Hospital Santa Luzia, em Nazaré, mas ela começou bem pequenina, fora dos muros da cidade.
Por ser uma avenida de ligação com vários bairros da cidade alta, ela está entre as mais importantes de Salvador ainda hoje.
Pelos exemplares arquitetônicos que ela contém e pela rica história, vamos apresentá-la em quatro textos. Neste primeiro texto analisaremos em mapas a região até o Desterro.
Como aconteceu em várias ruas de Salvador colonial, na região fora dos muros da cidade foram os conventos que influenciaram a ocupação e a definição de novos caminhos.
Conforme a planta de João Massé, engenheiro militar francês que aqui esteve entre 1714 e 1718, para elaborar um plano de fortificação para a cidade, a partir do convento dos capuchinhos, que aqui chegaram em 1670, se estruturaram dois eixos: a Rua Direita da Piedade, via em direção ao Forte de São Pedro; e outro eixo, ainda incipiente, que se delineava à esquerda do mesmo convento.
Na planta, este trecho está indicado como trincheira, elemento de defesa geralmente utilizado nas regiões fora dos muros. Como bem nos ensina o professor Mário Mendonça de Oliveira, as trincheiras eram feitas com torrão, técnica construtiva de terra composta de pedaços de terreno em formato de paralelepípedo, com cerca de 30 cm por 15 cm.
Os pedaços eram cortados com uma ferramenta própria, e eram mantidas raízes de vegetação, quando elas cresciam amarravam as peças entre si. Nesta época, o caminho era chamado de Rua da Trincheira.
Trecho da planta de João Massé, entre a Piedade e o Desterro
Na década de 1730 já havia uma pequena capela de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, construída por um devoto bem próxima à trincheira. Em 1733, cidadãos de Salvador conseguiram autorização régia para edificar um convento feminino, pois havia apenas o Convento de Santa Clara do Desterro.
O desenho do engenheiro militar Nicolau Abreu de Carvalho, datado desta época, apresenta a planta baixa do que seria o convento, edificado sobre a trincheira, e indica a existência de construções (casas) defronte a ela. Nesta planta, a via está registrada como Rua da Lapa.
Planta de Nicolau Abreu de Carvalho da Rua da Lapa
Ainda nessa década, com base em documentos e livros da época, o Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia (FAUFBA) elaborou uma planta da cidade na qual podemos verificar o avanço da via iniciada na Rua da Lapa (em azul) em direção ao Campo da Pólvora e ao Convento de Santa Clara do Desterro.
Várias transversais já se delineavam para a Palma, onde ficava o hospício de Nossa Senhora da Palma dos agostinianos, e a igreja de Santo Antônio da Mouraria. Por essas pequenas vias transversais se chegava também ao vale do Rio das Tripas.
É importante lembrar que a ocupação da região entre a Palma e o Desterro se iniciou no século XVII quando houve as invasões holandesas.
Trecho da planta de 1730 elaborada pelo CEAB (UFBA)
Na segunda metade do século XVIII, o adensamento dessa região era mais visível na Mouraria/Palma e Sant’Ana/Desterro. Do lado da via onde está o Convento da Lapa o adensamento era pequeno, pois as roças das irmãs concepcionistas ocupavam uma grande área (onde hoje temos a Estação da Lapa) além de ser um terreno em declive de mais de 20 metros.
A imagem abaixo mostra um trecho da planta topográfica elaborada em 1798, pelo engenheiro militar Joaquim Vieira da Silva, adaptada ao levantamento aerofotogramétrico pelo professor Mário Mendonça de Oliveira. Nesse período, a antiga Casa da Pólvora já estava em ruínas.
Trecho em estudo no final do século XVIII
A planta do final do século XVIII nos dá algumas informações bem interessantes. Ao compararmos os níveis topográficos da primeira cumeada (delimitada em verde) com a ocupação da região da Palma/Mouraria/Desterro, vemos que elas estão em dois platôs, ambos entre 50 e 60 metros acima do nível do mar.
Na ocupação da primeira cumeada (núcleo matriz) há uma divisão em lotes quadrangulares separados por ruas paralelas e perpendiculares entre si, mesmo no trecho em que o desnível topográfico é mais acentuado, como no Maciel/Pelourinho. A área em análise, principalmente Palma/Mouraria, também é um platô entre as cotas 60 e 50 (topográficas), no entanto os quarteirões que se delineiam são alongados, apesar de alguns tenderem à forma quadrangular, assemelhando-se à ocupação entre São Bento e a Piedade.
Na região do Desterro/Sant’Ana também podemos verificar que há uma tendência à ocupação em quarteirões alongados. Ao observarmos melhor, esses eixos que começam a ser delineados estão direcionados ao vale do Rio das Tripas e, portanto, ao acesso mais curto ao centro administrativo e religioso da cidade.
Como já falamos aqui, o vale desse rio foi aos poucos aterrado e tornou-se a Rua da Lama, depois a Baixa dos Sapateiros, primeira avenida de vale de Salvador.
..:: ::..
Para saber mais
OLIVEIRA, M. M. de. As fortificações portuguesas de Salvador quando cabeça do Brasil. Salvador: Omar G. (Selo Editorial da Fundação Gregório de Mattos), 2004.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Faculdade de Arquitetura. Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia. Evolução Física de Salvador. Salvador: PALLOTTI (Selo Editorial da Fundação Gregório de Mattos), 1998.