Gina Marocci

Como era o Brasil antes da Independência - Parte 2

Antecedentes da Independência

A transferência da Coroa Portuguesa para o Brasil provocou modificações na hierarquia política do império, afinal a colônia havia se tornado a sede político-administrativa dele.

A presença da família real e de todo o aparato burocrático no Brasil inverteu a ordem do que seria metrópole e quem seria a colônia, acontecimento único, pois nenhuma colônia havia recebido seu imperador, ainda mais para se instalar por tempo indeterminado. A

instalação da Corte portuguesa e dos membros da burocracia exigiu mudanças substanciais na cidade do Rio de Janeiro, as quais serviram de modelo para outras cidades brasileiras, como Salvador e Recife, por exemplo. A

o chegar à capital colonial, a Corte ressentiu-se das condições materiais da cidade, posto que estava acostumada com uma capital imperial europeia, era visível a falta de saneamento, de boas acomodações, enfim, a cidade não estava à altura de ser a sede do império.

A transformação do Rio de janeiro em sede da Corte começou dois meses antes da chegada do príncipe regente, quando havia rumores da necessidade de proteger a monarquia das incursões de Napoleão na Península Ibérica.

A estrutura urbana do Rio de Janeiro em 1808 deixava a desejar em tudo: abastecimento de água; limpeza das ruas; segurança; iluminação; calçamento das ruas e outras.

As melhorias na cidade eram do tempo do vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa (1778-1790), obras consideradas inovadoras, voltadas à expansão da estrutura urbana e à melhoria das condições sanitárias da cidade.

Aterrou-se a lagoa do Boqueirão, utilizada para despejo dos dejetos da população, para construir o Passeio Público, que ficou concluído em 1786. Era um ensaio de modernização da cidade conforme o que acontecia na Europa.

Na tela do artista Leandro Joaquim (1790), a lagoa, tendo ao fundo o Aqueduto da Carioca, à esquerda a igreja de Nossa senhora do Desterro e o Convento de Santa Teresa no alto, também era utilizada pela população para banhos e lavagem de roupa.

O Passeio Público foi idealizado pelo Mestre Valentim, entalhador, escultor e urbanista mineiro radicado no Rio de Janeiro, filho de um português e uma escrava alforriada, um dos maiores artistas do Brasil colônia. Ele o projetou como um jardim francês, com ruas em linhas retas formando desenhos geométricos e uma grande praça no centro. Havia mesas e bancos para uso do público.


Museu Histórico Nacional/IPHAN; Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; projeto do Mestre Valentim.

D. Luís de Vasconcelos e Sousa também reformou o largo do Carmo, um grande terreiro delimitado pelo palácio do vice-rei, o convento do Carmo e a igreja da Ordem Terceira do Carmo. Instalou um chafariz, uma das obras do Mestre Valentim, no cais do Valongo onde aportavam os navios negreiros.

Com a instalação da família real no paço dos vice-reis, fez-se, em 1811, a urbanização do cais, e se transferiu o desembarque dos escravos africanos para outro sítio. Debret representou o cais do Valongo com o chafariz do Carmo e o movimento dos escravos de ganho, mercadores e soldados.


Pinturas de Debret sobre o Rio de Janeiro em 1818

Além de não haver acomodações satisfatórias para os membros da Corte e do estamento burocrático vindo de Portugal, o Rio de Janeiro sofria com moléstias provocadas por mosquitos dos manguezais e lagoas muito comuns no termo da cidade.

Cuidou D. João, ainda em 1808, de criar a Intendência Geral da Polícia, que tinha dois objetivos: levantar a situação da cidade e planejar as mudanças necessárias para torná-la a sede da Corte.

O físico-mor da Corte, o médico Manuel Vieira da Silva, investigou as causas da insalubridade na cidade, o que serviu para as obras públicas, mas também para a regulamentação de novas moradias. Ao fundo havia o discurso higienista, que tinha apoio das classes dominantes.

Em 1811 já se havia consolidado uma carência de habitações na cidade, pois a presença da monarquia portuguesa atraiu senhores de engenho, grandes comerciantes e outros latifundiários abastados que queriam ficar próximos da Corte. Considerou-se, então, avançar a urbanização para oeste da Cidade Velha, uma região onde os pântanos cobriam boa parte dela.

O Campo de Santana é considerado o marco dessa expansão, onde se implantou um importante eixo de ligação entre o Paço Real (no largo do Carmo) e a Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, as duas moradas da monarquia.

Nessas terras, grande parte confiscada dos jesuítas ainda no século XVIII, foram incentivados aterros de pântanos e mangues, e estímulo à construção de sobrados, que caracterizavam as áreas urbanas mais ricas.

Essa expansão para oeste ocorreu ao longo do século XIX. Além de novas edificações, instalaram-se chafarizes para abastecimento de água, calçamentos, iluminação pública e cuidou-se da limpeza das ruas. Em menos de 20 anos a capital recebeu um contingente populacional que fez saltar sua população de cerca de 50 mil para mais 100 mil habitantes.

Por volta de 1808, Salvador tinha uma população de mais 50 mil habitantes. Desde o final do século XVIII, a capitania teve governantes que investiram em melhorias na cidade do Salvador. Em 1769, determinações do Marquês do Lavradio se tornaram lei, em forma de postura.

Elas visavam uniformizar as fachadas das novas edificações ao definir um padrão de altura, a depender do número de pavimentos, com portas e janelas previamente definidas.

D. Francisco da Cunha e Menezes (1802-1806), imbuído das ideias de estudar a flora da mata atlântica e de instalar um horto botânico em Salvador, adquiriu o terreno próximo ao Forte de São Pedro para a construção de um passeio público em 1803. Seu sucessor, João Saldanha da Gama Melo Torres, 8º Conde da Ponte (1805-1809), iniciou as obras do Teatro São João ainda em 1806 e tentou implantar o Passeio Público.

Observe-se que na gestão do Conde da Ponte não se cogitava a vinda da família real para o Brasil, e o modelo do teatro seguia o recomendado por Pombal em 1771, para Lisboa, na criação de teatros públicos para civilizar os povos.

Em 1809 falece o Conde da Ponte sem conseguir concluir o Teatro São João e ver implantado o Passeio Público. Seu substituto, D. Marcos de Noronha e Brito, o 8º Conde dos Arcos deu continuidade às obras do teatro e o inaugurou em 1811.

A sua criação, cujo homônimo construído no Rio de Janeiro foi inaugurado em 1813, portanto, depois do baiano, estava imbuída dos aspectos iluministas da administração pombalina, tão bem representada pelo Conde dos Arcos.

O Passeio Público de Salvador foi inaugurado em 1815. O projeto se constituiu na construção de um grande terraço, cercado por balaustradas com escadarias e estátuas, de onde se tinha uma bela visão do mar. Um obelisco de mármore foi erguido em comemoração à chegada da família real em Salvador.

Em 1815, após a derrota definitiva de Napoleão, o Príncipe Regente poderia ter retornado com a corte para Lisboa, mas não o fez e, no mesmo ano, elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Desse modo, Lisboa passou a receber instruções e ordens do Rio de Janeiro, e as capitanias gerais, antes subordinadas à metrópole, também se subordinavam ao Rio de Janeiro.

Nem tudo isso foi bem recebido, tendo em vista que os impostos arrecadados nas capitanias eram encaminhados para a capital, e muito se gastava no custeio da corte e do governo geral. Os anseios dos brasileiros estavam voltados à maior autonomia política e econômica, mas a verdade é que não se havia deixado de ser colônia.

No próximo texto faremos uma homenagem aos 474 anos de Salvador, primeira capital do Brasil.

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Para saber mais

CARVALHO, A. L. dos S. O Rio de Janeiro a partir da chegada da Corte Portuguesa: planos, intenções e intervenções no século XIX. Paranoá, Brasília, n. 13, 2014.

COSTA, F. D.; PEREIRA, J. D. João VI: um príncipe entre dois continentes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

MAROCCI, G. V. P. O Iluminismo e a urbanística portuguesa: as transformações em Lisboa, Porto e Salvador no século XVIII. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

PINTO, F. M. A invenção da cidade nova do Rio de Janeiro: agentes, personagens e planos. 2007. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e regional) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 2007