Gina Marocci

A história de uma avenida chamada Joana Angélica - II

Hoje vamos analisar o trecho Piedade/Desterro e destacar a arquitetura de cada parte dele

A Avenida Joana Angélica, em Salvador, se estende do prédio da Ordem dos Advogados do Brasil, na Piedade, até o Hospital Santa Luzia, em Nazaré.

Ao longo da sua história, ela recebeu nomes diferentes e por trechos, e em alguns deles o nome estava relacionado com uma edificação importante.

Hoje vamos continuar a analisar o trecho Piedade/Desterro e destacar a arquitetura de cada parte dele como, também, as ruas transversais que foram se delineando ao longo de dois séculos.

No mapa de 1894, elaborado pelo engenheiro Adolfo Morales de los Rios, vemos o trecho Piedade/Desterro dividido em duas partes: trecho 1, em azul, o mais antigo, entre a Piedade e a entrada para o Tororó; trecho 2, em vermelho, da entrada do Tororó até o Desterro.

O trecho 1 foi inicialmente chamado de Rua da Trincheira, mas com a construção da primeira igreja em devoção à Nossa Senhora da Lapa passou a seu chamado de Rua da Lapa.

Já o trecho 2, nesse mapa, é chamado de Rua do Ferraro, sobrenome de um rico comerciante que tinha muitas casas na região, inclusive residia num belo sobrado do século XIX (tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia - IPAC) que ficou conhecido como Palacete Ferraro.

 


Trecho do mapa de Adolfo Morales de los Rios (1894)

O marco inicial do trecho 1 é um quarteirão que tem como esquina o prédio da OAB-Bahia. Neste lugar havia um grande sobrado da segunda metade do século XIX, com jardim frontal e janelas rasgadas no pavimento superior, que davam acesso a uma sacada, sede própria da Faculdade Livre de Direito da Bahia fundada em 1891.

A ladeira que aparece à direita é a Rua Coqueiros da Piedade, que vai dar na Estação da Lapa.


Sedes da Faculdade de Direito e da OAB-Seção Bahia

Nas minhas andanças pela internet encontrei no Atlas Parcial de Salvador (PMS, 1955) a Avenida Joana Angélica e esses registros antigos nos dão informações valiosas, como, por exemplo, o número de lotes que havia nos quarteirões e nomes antigos de ruas.

No mapa abaixo vemos a Rua Portão da Piedade em vermelho, a Avenida Joana Angélica em verde, Rua Coqueiros da Piedade em azul, e a Rua Vinte e Quatro de Fevereiro em amarelo.

Aliás, a gente fica curiosa para saber o porquê da escolha desta data, e ela é muito importante, pois foi em 24 de fevereiro de 1891 a promulgação da nossa primeira Constituição da República.

No miolo do quarteirão havia pequenas casas, como se fosse uma pequena vila, que no mapa era denominada de Rocinha da Piedade.


Primeiro quarteirão da Avenida Joana Angélica em 1955

Além do prédio da OAB, o quarteirão possuía 11 edificações voltadas para a avenida, atualmente completamente descaracterizadas. O

prédio na entrada da Rua Vinte e Quatro de Fevereiro, tão próximo ao Convento da Lapa, era uma típica construção de porão alto, ou seja, com o pavimento térreo elevado em relação à via pública, janelas rasgadas com sacada protegida por gradis de ferro e platibanda trabalhada (para esconder o beiral do telhado).

Outro pavimento foi-lhe acrescentado, possivelmente nas primeiras décadas do século XX.

As imagens nos mostram um pequeno sobrado, antiga casa do capelão que faz parte do Convento da Lapa, mas que também sofreu alterações nas fachadas, contudo manteve a volumetria original, apesar de estar, também, bastante degradado.


Sobrado na Avenida Joana Angélica em dois tempos

O Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa ocupa uma grande parte desse trecho inicial da avenida. Ele foi o segundo convento feminino do Brasil, e sua fundação ocorreu a pedido das famílias baianas.

Duas irmãs do Convento de Santa Clara do Desterro, primeiro convento feminino do Brasil, iniciaram as atividades do novo convento ainda na primeira metade do século XVIII.

Ele foi inaugurado em 1744 para abrigar as Irmãs Franciscanas Concepcionistas. Em 19 de fevereiro de 1822, soldados portugueses tentaram invadir o convento em busca de insurgentes e mataram a Abadessa Joana Angélica, que se postara à frente da porta com medo de abusos contra as irmãs.

Joana Angélica, Maria Felipa e Maria Quitéria são as três mulheres símbolos da Independência do Brasil na Bahia. Os restos mortais da soror Joana Angélica estão no Convento da Lapa.

Maria Quitéria, a soldado Medeiros, como era conhecida, descansa no ossuário da igreja do Santíssimo Sacramento e Sant’Ana, em Nazaré.

Já a guerreira Maria Felipa, que comandou 40 mulheres no incêndio a 42 embarcações portuguesas aportadas em Itaparica, acredita-se que esteja enterrada na Igreja de São Lourenço, em Itaparica.


Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa

As atividades conventuais funcionaram até 1985, quando as religiosas foram transferidas para outra casa, pois a roça do convento havia sido desapropriada para a construção da Estação da Lapa.

Na primeira imagem podemos ver a situação atual do convento e a estação e podemos compará-la com a delimitação da roça do convento em 1955.


O convento e a Estação Nova Lapa

O convento pertence à Arquidiocese de São Salvador da Bahia e nele funciona a Universidade Católica do Salvador. O conjunto, que compreende o convento, a igreja, a casa do capelão e a roça (que ficou bastante reduzida após a desapropriação pelo poder municipal), foi tombado em1938 pela SPHAN, antigo órgão federal.

O convento tem um claustro retangular, e a igreja está inserida no corpo do convento formando um conjunto que impacta pela dimensão. A característica mais marcante do conjunto é o mirante que se eleva em três pavimentos.


Fachada do convento com o mirante e a entrada da igreja.

Atualmente as fachadas das edificações do outro lado da avenida estão tomadas por letreiros e há vários prédios de apartamento ou de uso misto, mas para o final do século XIX, início do século XX, a avenida era ocupada por pequenas casas, a maioria térreas com porta e duas janelas, o que nos faz pensar que eram residências. Nas duas imagens podemos ver o calçamento em pedra e os trilhos de bonde, apenas um sobrado se destaca com os seus três pavimentos.


Ocupação da Avenida Joana Angélica no início do século XX

Pois é, nossa conversa rendeu muito e não deu para falar do Palacete Ferraro, mas no próximo texto continuaremos a navegar pela história da Avenida Joana Angélica e sua arquitetura.

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Para saber mais

SALVADOR. Atlas Parcial de Salvador. Salvador: Diretoria de Tributação e cadastro Municipal/PMS, 1955.

CARRAZZONI, M. E. (coord.). Guia dos bens tombados. Rio de janeiro: Expressão e Cultura, 1980.