O dia 19 de fevereiro de 1822 marcou a história de Salvador como aquele em que as primeiras lutas contra as tropas portuguesas fizeram vítimas, dentre elas a abadessa do Convento da Lapa, Soror Joana Angélica. Por ordem do brigadeiro Madeira de Melo, as tropas portuguesas atacaram os quartéis da Mouraria, da Palma e o forte de São Pedro.
A resistência durou dois dias, mas não impediu que a cidade fosse ocupada pelas tropas portuguesas chefiadas por Madeira de Melo e, por causa disso, muitas famílias fugiram para o Recôncavo. Em março, novas tropas portuguesas chegaram à cidade sob o comando do brigadeiro Francisco Joaquim Carreti.
Com o reforço das tropas, Madeira de Melo pretendera impedir novos embates, e obter o apoio local para manter a Bahia unida a Portugal.
A sociedade baiana estava dividida entre o reconhecimento da autoridade de D. Pedro e a plena adesão às Cortes Gerais portuguesas, contudo, a aclamação de D. Pedro como Defensor Perpétuo do Brasil, fato que ocorreu no dia 13 de maio, no Senado da Câmara do Rio de Janeiro, fez a balança pender ao apoio irrestrito ao príncipe regente.
Planta do forte de São Pedro (acervo da BDLB), trecho do frontispício de Salvador (Vilhena, 1801)
Madeira de Melo envidara esforços a fim de que a sociedade baiana mantivesse o relacionamento político com as Cortes Gerais, no entanto, em junho, partidários do reconhecimento de D. Pedro como o centro do Poder Executivo do Brasil tentaram uma decisão na Câmara da cidade.
A reunião fora marcada para o dia 12, mas as tropas portuguesas bloquearam todas as vias de acesso ao prédio do Senado da Câmara. Impedidos de atuar em Salvador, os membros da Câmara, com militares, professores, membros do clero, advogados e médicos, reuniram-se no dia 14 na Câmara da Vila de Santo Amaro, quando decidiram defender a proposta de “hum centro único de Poder Executivo; que este poder seja exercido por sua Alteza Real Príncipe Regente.”
Em 24 de junho, grupos de lavradores, militares e latifundiários, sob o comando dos coronéis Garcia Pacheco e Falcão Brandão, concentraram-se no povoado de Belém, próximo à Vila de Cachoeira.
No dia seguinte, os comandantes foram a Cachoeira com um pedido de reunião com os membros da Câmara. Com a presença dos vereadores, do juiz de fora e do capitão-mor, e do procurador da vila, decidiu-se aclamar a D. Pedro de Alcântara o Regente e Perpétuo defensor e protetor do Reino do Brasil.
Madeira de Melo enviou, então, uma escuna canhoneira para fechar o porto de Cachoeira e, em terra, portugueses atiraram de dentro de suas casas nos brasileiros que estavam nas ruas.
Por causa do avanço dos portugueses, instalou-se uma junta governativa e de defesa no Hospital São João de Deus, de onde partiram as primeiras mensagens às vilas e povoações com as últimas notícias e, também, com o pedido de homens e armas para combater os portugueses em suas casas e deter os tiros de canhão sobre Cachoeira.
A vitória dos brasileiros veio no dia 28, quando os líderes da escuna se renderam, após a população local, em canoas, tomar a escuna portuguesa.
Vitória dos brasileiros em Cachoeira (Parreiras, acervo do Palácio Rio Branco)
Outras vilas do Recôncavo se manifestaram com a adesão ao que se definira em Cachoeira: no dia 26, Maragogipe; no dia 29, as vilas de São Francisco do Conde e de Santo Amaro.
Reunidas as representações das vilas em Cachoeira, decidiu-se por formar um Conselho Interino, com poder político, administrativo e militar, com o objetivo de combater os portugueses e expulsá-los de Salvador.
Para isso, os representantes das vilas buscaram arregimentar homens livres, latifundiários, escravos e quilombolas e indígenas. Fora escolhido o coronel de milícias Joaquim de Ávila Pereira para ficar à frente das tropas.
No final de agosto, notícias de Lisboa diziam que 14 batalhões iriam embarcar para o Brasil e que já tinham chegado na Bahia 600 homens e duas ou mais embarcações de guerra.
As Cortes Gerais haviam ordenado a prisão do ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, e reafirmado a determinação de que D. Pedro deixasse o Brasil.
Com apoio de D. Leopoldina e dos seus ministros, no 7 de setembro o príncipe regente decidiu cortar os laços com as Cortes Gerais. O Brasil estava dividido em 19 províncias, governadas por juntas provisórias e em todas elas havia grupos favoráveis à independência do Brasil, o que provocou conflitos violentos entre brasileiros e tropas portuguesas, principalmente na Bahia.
De junho a outubro de 1822 formaram-se os chamados batalhões patrióticos organizados nas vilas do Recôncavo, dentre eles o Voluntários do Príncipe D. Pedro, também conhecido como o dos Periquitos. Foi no batalhão dos Periquitos que a jovem Maria Quitéria de Jesus se alistou como José Cordeiro de Medeiros, nome do filho de seu cunhado.
O soldado Medeiros, apesar de ser iletrado, sabia cavalgar com maestria e tinha habilidade com armas. A participação dos Periquitos, que era formado por escravos e mestiços, nos conflitos pela independência da Bahia foi importante, principalmente para a expulsão das tropas portuguesas de Salvador.
Em julho de 1822, D. Pedro nomeou um veterano das guerras napoleônicas, o francês Pierre Labatut, para organizar o chamado Exército Pacificador no combate a Madeira de Melo e suas tropas na Bahia. Com ele foram enviados de navio cerca de 300 homens, armas e munições.
O primeiro desembarque foi em Alagoas, onde seguiu-se para Pernambuco quando foram arregimentados mais 250 homens. Ao chegar na Bahia, O Exército Libertador foi recebido pelo coronel Joaquim de Ávila Pereira, que reuniu o armamento e as tropas no Engenho Novo de Pirajá (mapa, Wikipédia) e entregou o comando ao general Labatut.
Soldado Medeiros (Failutti, Museu da USP); General Labatut (Silva, Museu do Ipiranga)
O Exército Libertador era formado por militares graduados, escravos cedidos por seus senhores e voluntários, homens do povo, brancos pobres, negros alforriados, mestiços, como os caboclos do nordeste, e indígenas.
Não se tem notícia de que os senhores abastados e seus filhos tenham se voluntariado para participar desse exército. Labatut organizou o exército em três brigadas: a 1ª Brigada, sob o comando do tenente-coronel José de Lacerda, se instalou na região do Cabrito-Campinas-Pirajá; a 2ª Brigada se instalou perto de Itapoan, e era comandada pelo coronel Felisberto Caldeira; a 3ª Brigada, comandada pelo tenente-coronel José Joaquim de Lima e Silva, ficou no centro, no miolo da cidade.
Esses homens, sem qualquer treino de guerra, mal armados e desnutridos, representavam um povo sem terra, sem direitos, mas com uma esperança de que mudanças modificassem essa realidade.
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Para saber mais
TAVARES, L. H. D. História da Bahia. 10 ed. São Paulo: UNESP; Salvador: EDUFBA, 2001