Alberto Oliveira

Cadê o abismo que pintaram entre o futebol brasileiro e o europeu?

Analistas de orelhada passaram vergonha no varejo e no atacado


Ilustração: Sora IA

O Mundial de Clubes 2025, sediado nos Estados Unidos, marca um divisor de águas na percepção global sobre a competitividade do futebol brasileiro. Pela primeira vez, o torneio conta com equipes de todos os continentes, e os clubes brasileiros -- Flamengo, Botafogo, Palmeiras e Fluminense -- não apenas marcaram presença, como desafiaram narrativas consolidadas ao exibir um nível de futebol que desmonta, com fatos, o velho discurso de um "abismo" entre o futebol da América do Sul e o da Europa.

É importante reconhecer: sim, há uma diferença. Os clubes europeus contam com estruturas mais modernas, receitas bilionárias e acesso a um mercado internacional de atletas praticamente ilimitado. Mas dizer que há um “abismo técnico” entre eles e os melhores times brasileiros é uma leitura simplista -- e preguiçosa. O que se viu neste Mundial foi exatamente o oposto: times brasileiros que se apresentaram com personalidade, organização tática e capacidade de competir em alto nível contra gigantes europeus.

O Fluminense, por exemplo, deu um verdadeiro baile tático no Al Hilal nas quartas de final, e antes disso eliminou a Inter de Milão com uma atuação consistente, segura e madura. O Botafogo, por sua vez, venceu o Paris Saint-Germain em um jogo histórico e só caiu diante do Palmeiras em um confronto acirrado, decidido na prorrogação. Já o Flamengo, mesmo derrotado pelo Bayern de Munique, marcou dois gols e criou dificuldades para a defesa alemã, revelando um time com repertório ofensivo. O Palmeiras, habitual protagonista nas competições internacionais, também cumpriu seu papel com dignidade.

O que une as atuações dos clubes brasileiros, para além do bom desempenho, é a evidência de que, quando bem organizados e munidos de um mínimo de estabilidade institucional, os clubes nacionais são altamente competitivos em nível mundial. Nenhum deles foi goleado, humilhado ou amplamente dominado. Em muitos momentos, impuseram ritmo, criaram chances claras e apresentaram propostas de jogo modernas -- justamente o que analistas insistem em afirmar que não existe por aqui.

A pergunta inevitável, portanto, é: o que sustentava aquele discurso do abismo? Possivelmente o fato de em vez de comentaristas comprometidos termos torcedores disfarçados de analistas. E, mesmo quando possuem conhecimento técnico, deixam-se levar pelo sentimento de torcida de botequim, o que envieza as análises.

O verdadeiro fosso que separa o futebol europeu do brasileiro é econômico, não técnico. Os principais clubes da Europa contam com orçamentos que superam com folga o PIB de cidades brasileiras. Os clubes brasileiros lidam com receitas significativamente menores que as dos times europeus, em um cenário de câmbio desfavorável, impostos elevados e dificuldades estruturais.

A superioridade financeira europeia se traduz em capacidade de manter elencos mais profundos, investir pesadamente em centros de treinamento, departamentos médicos, análise de desempenho e, principalmente, em manter seus talentos. No Brasil, os melhores jogadores frequentemente deixam o país ainda em formação, atraídos por salários incomparáveis e pela estabilidade que os clubes europeus oferecem. Isso gera um ciclo vicioso: os clubes brasileiros formam, os europeus lapidam e capitalizam.

Mas quando há investimento estratégico, continuidade de trabalho e boa gestão, o Brasil prova que pode ser tão competitivo quanto qualquer potência europeia. O Mundial de 2025 mostra isso com clareza. O que vimos nos Estados Unidos não foi um contraste entre dois mundos, mas o embate entre realidades desiguais -- e, mesmo assim, o lado menos favorecido economicamente mostrou força, talento e garra.

É preciso, portanto, revisitar o vocabulário usado para descrever o futebol brasileiro. O termo “abismo” serve mais como escudo para análises rasas do que como instrumento de compreensão da realidade. A diferença existe, mas está longe de ser intransponível. A elite do futebol brasileiro já demonstrou -- dentro de campo -- que é plenamente capaz de competir no mais alto nível.

Se há um abismo, ele é cavado pelo desequilíbrio de recursos, não pela ausência de qualidade. E isso deveria mudar o foco das análises: em vez de culpar técnicos e jogadores, talvez seja hora de cobrar dos gestores, das federações e do modelo de financiamento do nosso futebol. A matéria-prima, o talento e o espírito competitivo estão aqui. Falta construir um ambiente que os sustente e os preserve. O Mundial de 2025 é a prova disso -- para quem quiser ver além da retórica cansada do suposto “atraso” do futebol brasileiro.