Gina Marocci

Como era o Brasil antes da Independência - Parte 3

Antecedentes da Independência

A abertura dos portos, em 1808, foi uma das primeiras ações que estreitaram os laços entre Portugal e Inglaterra. Ainda no mesmo ano foi aberto o Consulado Britânico de Salvador e permitiu-se a entrada de comerciantes estrangeiros.

Em 1810, os tratados de Aliança e Amizade, Comércio e Navegação privilegiaram os interesses ingleses em detrimento dos portugueses. E concederam vários privilégios aos súditos ingleses, dentre eles o direito de construir cemitérios e templos protestantes.

Esses acordos despejaram produtos ingleses no comércio das cidades brasileiras: artigos de uso doméstico, como talheres e louças; tecidos e chapéus; alimentos; bebidas, como o gim, o rum, a cerveja e o whisky; e modernos modelos de carruagens.

A influência inglesa sobre os costumes e os modos da sociedade urbana do Rio de Janeiro, de Salvador e de Recife se refletiu no refinamento das maneiras à mesa, no gosto pela moda e, na arquitetura, pelas belas casas ajardinadas com janelas envidraçadas construídas nos arrabaldes, já que eles preferiam viver afastados dos centros das cidades.

Em Salvador, os ingleses se instalaram entre o Campo Grande e a Vitória, na primeira metade do século XIX, e, em 1814, inauguraram o cemitério próprio na ladeira da Barra, tombado desde 1993 pelo IPAC.

Criado para o sepultamento dos ingleses, acabou abrigando enterramentos de estrangeiros não católicos. Os ingleses também construíram um pequeno hospital na Vitória para uso exclusivo deles. A presença de estrangeiros no Brasil sempre ocorreu, mas como visitantes esporádicos. Antes do século XIX, os estrangeiros mais presentes eram os portugueses e os africanos, colonizadores e colonizados.

A partir de 1815, com o término das guerras napoleônicas, foi a vez dos franceses aportarem na Corte. A Missão Artística Francesa, contratada pela monarquia portuguesa para modernizar e refinar a Corte, trouxe também mudanças tecnológicas que impactaram a arquitetura e a engenharia no Brasil e, principalmente, o ensino por meio da criação de uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios.

Um grupo de profissionais da arte e da arquitetura, chefiado por Joachim Lebreton, desembarcou no Rio de Janeiro em 26 de março de 1816, em meio ao luto pela morte de D. Maria I.

Estavam no grupo os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay, autores de desenhos e pinturas sobre o cotidiano dos brasileiros, a natureza e as cidades, os escultores Auguste-Marie Taunay, e os irmãos Marc e Zéphrin Ferrez, e Grandjean de Montigny, arquiteto autor de vários projetos para o Rio de Janeiro.

São de Debret as aquarelas que retratam a moda, os trajes das damas da corte, e das senhoras ricas, bem diferentes dos tecidos e mantas pesadas que cobriam o corpo das mulheres brasileiras. Tecidos nobres, leves e fluidos, bordados, rendas, vestidos mais curtos, que deixavam os pés e tornozelos à mostra, enquanto que as cabeças eram cobertas por longos véus de renda, presos com grandes pentes. O

s cabelos eram cuidadosamente penteados e ornados com flores e ricas e trabalhadas presilhas. Nas orelhas, brincos delicados, que faziam conjunto com colares e pulseiras. Uma moda que reunia influência inglesa, francesa e espanhola.

Para as senhoras com menos condição, os tecidos de algodão eram usados em duas peças, também mais curtas, que deixavam à mostra o colo e os tornozelos. As mucamas, ao acompanhar as damas aos passeios, também se vestiam de tecidos leves, cabelos penteados e ornamentados, joias também estavam presentes.

 


A moda europeia invade a Corte do Rio de Janeiro (Debret, 1821)

Embora governasse como rei desde a morte de sua mãe, D. João VI só foi aclamado Imperador do Reino-Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1818 (os reis de Portugal não eram coroados, mas aclamados e o cetro era o símbolo real). A situação política, tanto em Portugal como no Brasil atrasou os festejos.

Em 1817, a Revolução Pernambucana, movimento separatista de cunho republicano, que teve apoio das capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Noite, tomou o governo de Pernambuco e instalou um governo provisório, com a participação de pessoas de várias classes sociais.

Havia descontentamento em todas as capitanias pelos enormes gastos para o sustento da Família Real e da Corte, mas também pelo aumento dos impostos determinado por D. João VI.

Os portugueses, e os que os apoiavam, fizeram uma violenta repressão que resultou num combate em que centenas de pessoas morreram. Ao todo, 14 líderes foram executados em praça pública, todos condenados pelo crime de lesa-majestade.

Abaixo, Domingos José Martins Capixaba, líder militar e mártir, Bárbara de Alencar, que cumpriu pena em prisão e a bandeira da Revolução.

Ainda no ano de 1817, a cidade do Rio de Janeiro se preparou para as festas do casamento de D. Pedro com a arquiduquesa Leopoldina da Áustria.

Nesses festejos, entraram em ação Grandjean de Montigny, Jean-Baptiste Debret, e outros profissionais franceses e portugueses, na criação de elementos de arquitetura efêmera, sempre utilizada em eventos especiais.

Conforme o projeto de Montigny, foi construída uma arena de touradas no Campo de Santana, que passou a se chamar Largo dos Curros (1817-1822). Nele havia também cavalhadas, jogos e danças. Obeliscos, colunas, arcos triunfais, carros alegóricos, fontes, varandas e altares foram erguidos em madeira, mas com imitação de mármore e de pedra.

No cais de desembarque, propôs-se uma estrutura para o primeiro encontro dos nubentes reais, que foi retratado por Debret. Comerciantes da Rua Direita, atual Primeiro de Março, mandaram construir cenários e com frases exaltando a Áustria.


Largo do Curros (Frühbeck, 1818), e a chegada de D. Leopoldina (Debret, 1817)

Esse tipo de arquitetura do espetáculo tinha o objetivo de desvincular a cidade do Rio de Janeiro do seu passado de capital colonial, afirmando-a como sede da monarquia, que adotou o neoclássico como estilo próprio.

A Aclamação de D. João VI teve festejos grandiosos em todo o Brasil. No Rio de Janeiro, o português João da Silva Muniz, arquiteto do rei, projetou a Varanda da Aclamação, estrutura temporária erguida na fachada principal do Paço e que se estendia até o Convento do Carmo.

A execução ficou sob a guarda de outro português, Joaquim José de Azevedo, Almoxarife da Casa das Obras e Paços Reais. Montigny, Debret e Taunay também se ocuparam dos cenários para a festa.

Após a procissão pelas principais ruas da cidade, ornadas com arcos do triunfo, colunas com estátuas de Minerva e Ceres e outras estruturas, músicos receberam o cortejo, que ficou à frente da varanda para ovacionar a Corte, cujos membros se posicionaram nos balcões laterais ao balcão central da Família Real.


Festa da Aclamação de D. João VI (Debret, 1818)

Os festejos duraram três dias, com direito a cavalhadas, corridas de touros, danças e fogos de artifício. Pela cidade, luminárias fixadas nas fachadas mudaram a noite e fogos de artifício brilharam no céu. Mas, de fato, a aclamação do rei no Brasil acirrou os ânimos dos portugueses que, devastados pelas guerras napoleônicas, sofreram com a fome e houve um grande êxodo populacional. Ainda mais, com o término das guerras, Portugal se tornou um protetorado inglês, subjugado pelo marechal William Beresford.

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Para saber mais

LOPES, C. R. R. Debret e o vestuário nobre feminino na corte do Rio de Janeiro. 19&20, Rio de Janeiro, v. XIII, n. 2, jul.-dez. 2018.

SILVA, I. E. da. Maria Graham e a influência britânica no Brasil do século XIX. Instrumento, Juiz de Fora, v. 11, n. 1, jan./jun. 2009.

PINTO, C. E. P. de. A distância entre a cidade efêmera e a memória das pedras: arquitetura e hierarquia no Rio de Janeiro do Período Joanino. Maracanan, Rio de Janeiro, n. 19, p. 101-119, jul./dez. 2018.

CASTRO, G. M. de. Servir e celebrar o rei: o cerimonial de aclamação de D. João VI e a Casa Real Portuguesa no Rio de Janeiro. Disponível em:

<http://www.encontro2014.sp.anpuh.org/resources/anais/29/1406685128_ARQUIVO_ApresentacaoSTGiovannaMilanezdeCastro.pdf.>. Acesso em: 19 abr. 2023