Gina Marocci

Como era o Brasil antes da Independência - Parte 6

Antecedentes da Independência

Vimos, no texto anterior a este, como o ano de 1821 foi conturbado politicamente tanto no Brasil como em Portugal. A pressão das Cortes Gerais para D. Pedro retornar a Portugal fora uma das razões que fizeram o príncipe regente decidir permanecer no Brasil.

Havia a possibilidade real de fragmentação do Brasil, tendo em vista que a sociedade brasileira estava dividida entre manter-se fiel às Cortes ou romper com Portugal.

Assim, no dia 9 de janeiro de 1822 – conhecido como o Dia do Fico – D. Pedro declarou, publicamente, que não acataria as ordens vindas de Portugal.

As tropas portuguesas sediadas no Rio de Janeiro, sob as ordens do Governador das Armas da Corte e da província, o tenente-general Jorge de Avilez, reagiram contra a decisão de D. Pedro, mas, com as tropas isoladas, e com receio de um embate com as tropas brasileiras, o militar renunciou e foi expulso do Brasil com os seus subordinados. Esse episódio exemplifica a situação beligerante que se refletia em todas as províncias brasileiras.


Aclamação de D. Pedro no Rio de Janeiro (Debret)

Com o intuito de evitar a fragmentação do território brasileiro, o príncipe regente criou o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, para assessorá-lo nas questões especificas e nos negócios públicos, contudo ele só foi instalado em junho.

É importante reforçar que ainda não se havia rompido completamente com as Cortes Gerais de Portugal, e não havia um consenso entre os próprios membros do gabinete ministerial formado por brasileiros.

Havia duas lideranças, José Bonifácio de Andrada e Silva e Joaquim Gonçalves Ledo, que representavam posicionamentos diferentes. José Bonifácio de Andrada (considerado o Patrono da Independência), num primeiro momento, era a favor da manutenção do vínculo com Portugal, mas opunha-se às medidas recolonizadoras das Cortes Gerais e estava à frente do movimento para a consolidação da regência de D. Pedro.

Aqueles que o apoiavam eram chamados de aristocratas e tinham maior interesse em um poder forte e centralizador. Já Gonçalves Ledo, considerado um dos responsáveis pelo Dia do Fico, defendia a ruptura com Portugal e a convocação de uma Assembleia Constituinte para o Brasil. Os seus seguidores eram conhecidos como democratas e defendiam a ideia de uma república.


José Bonifácio de Andrada e Silva e Joaquim Gonçalves Ledo

Enquanto que no Rio de Janeiro as discussões se acaloravam, em Lisboa, os deputados brasileiros nas Cortes Gerais enfrentavam resistências às suas propostas.

Em 17 de fevereiro, o príncipe regente proibiu o desembarque de tropas portuguesas no Brasil. Nas províncias brasileiras a situação também era de conflitos.

Na Bahia, a determinação das Cortes Gerais de substituir o tenente-coronel Manuel Pedro de Freitas Guimarães pelo brigadeiro português Inácio Luís Madeira de Melo, no cargo de Governador das Armas da Província da Bahia, provocou revolta e insurreição de tropas brasileiras sediadas nos quartéis de São Pedro, Palma e Mouraria, que convocaram o povo e outros militares a não aceitar a nomeação dele tendo em vista que o decreto não tivera aprovação da Câmara.

A Junta Provisória propôs, então, a criação de uma junta militar em que estivessem o tenente-coronel Manuel Guimarães e o brigadeiro Madeira de Melo, mas este não a aceitou.

No dia 19 de fevereiro, tropas portuguesas atacaram os quartéis já mencionados. Alguns soldados portugueses tentaram invadir o Convento da Lapa, mataram a abadessa Soror Joana Angélica e feriram o capelão, o padre Daniel Lisboa.

Por ordens do brigadeiro Madeira de Melo, as religiosas dos conventos da Lapa e das Mercês foram transferidas para o Desterro. Os militares do forte de São Pedro ainda resistiram por dois dias, mas a cidade foi ocupada pelas tropas portuguesas.


Madeira de Melo, Soror Joana Angélica e locais de embates entre tropas portuguesas e brasileiras

Muitas famílias abandonaram a cidade e se refugiaram em vilas do Recôncavo Baiano, como Cachoeira, Santo Amaro, São Francisco do Conde e Maragogipe. Em março, tropas portuguesas, que tinham sido expulsas do Rio de Janeiro, chegaram a Salvador sob o comando do brigadeiro Francisco Joaquim Carreti (as tropas portuguesas estavam subordinadas às Cortes Gerais).

Com o reforço das tropas, Madeira de Melo pretendera obter o apoio local para manter a Bahia unida a Portugal, mas a sociedade baiana estava dividida entre o reconhecimento da autoridade de D. Pedro e a plena adesão às Cortes Gerais.

Em maio, o agravamento da tensão política entre a colônia e a metrópole levou o príncipe regente a determinar que “nenhum Decreto das mesmas Côrtes se execute sem S. A. Real lhe pôr o - Cumpra-se-, depois de discuti-lo em Conselho a aplicação que pode e deve ter no mesmo Reino.”

Esta decisão de D. Pedro favoreceu a união de latifundiários, militares e intelectuais no reconhecimento da autoridade dele. Câmaras Municipais em várias províncias, inclusive a de Salvador, decidiram se unir em torno do objetivo de que se constituísse um Poder Executivo exercido pelo príncipe regente.

No Rio de Janeiro, D. Pedro foi aclamado como o Defensor Perpétuo e Constitucional do Brasil. Em junho, o príncipe regente, sob pressão dos Procuradores-Gerais das Províncias, ministros e secretários de Estado, convocou por decreto uma Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa.

O maior risco ainda era que ocorresse no Brasil o que havia acontecido na América Espanhola, que se fracionara em várias repúblicas independentes.

No início de agosto, D. Pedro lançou dois escritos, o Manifesto aos Povos do Brasil e o Manifesto aos Governos e Nações Amigas. Em ambos, o príncipe regente afirmou a vontade geral do povo brasileiro de ter sua independência política e econômica, contudo manteve a defesa na manutenção do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

O príncipe regente decretou que, a partir de agosto, todas as tropas portuguesas que desembarcassem no Brasil sem a sua autorização seriam consideradas inimigas. No final de agosto chegaram ordens de Portugal nas quais as Cortes Gerais definiram D. Pedro como um delegado temporário, cuja autoridade se reduzira a algumas províncias.

O caminho para a independência já estava aberto, não tinha mais volta.

..:: ::..

Para saber mais

BRASIL. Collecção das decisões do governo do Império do Brazil de 1822. Disponível em: <https:www2.camara.leg.br/colleccao_leis_1822_parte3.pdf>. Acesso em: 29 mai. 2023.

BRASIL. Império do Brasil – Primeiro Período – D. Pedro I. Brasília: Câmara. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/presidentes/imperio1.html>. Acesso em: 25 mai. 2023.

SILVA, A. da C. e (Coord.). Crise colonial e independência (1808-1830). In: SCHWARCZ, L. M. (Dir.). História do Brasil Nação: 1808-2010. Rio de Janeiro: Fundación Mapfre; Objetiva, v. 1, 2011.

TAVARES, L. H. D. História da Bahia. 10 ed. São Paulo: UNESP; Salvador: EDUFBA, 2001.