O Campo Grande, praça mais importante de Salvador, demorou a ser configurado como espaço urbanizado. As primeiras notícias que se tem sobre essa região são ainda do século XVI, quando se iniciaram as atividades dos jesuítas nas aldeias indígenas.
O padre Serafim Leite, na sua obra História da Companhia de Jesus no Brasil, conta que próxima à Aldeia de São Sebastião, às portas da cidade, ficava a Aldeia do Simão, nome cristão dado ao cacique, na região chamada de Campo de São Pedro, cujo nome provinha de uma ermida singela, erguida em terra batida e coberta de palhas em honra ao santo de mesmo nome.
Essa região, definida para atividades de apoio à cidade, como busca de lenha, de água, movimentação das tropas e pastoreio de gado de pequeno porte, também levava à Vila do Pereira, ou Vila Velha, antiga ocupação iniciada pelo único donatário da Capitania da Bahia, e à área de moradia de Diogo Álvares Correia e seus familiares, ambas nas imediações onde hoje temos a Vitória, a Graça e o Porto da Barra.
O Campo de São Pedro fazia parte da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, criada em 1561, que ia até o Convento das Mercês e compreendia a Vila Velha, Brotas e Rio Vermelho. É provável que os holandeses, quando ocuparam a cidade no início do século XVII, tenham erguido um forte de terra batida nesse campo, contudo o forte de São Pedro foi construído entre o final do Século XVII e o início do século XVIII em pedra e cal.
O Projeto de Fortificação da Cidade do Salvador, elaborado pelo Brigadeiro João Massé, em 1715, mostra o forte erguido numa parte elevada entre um braço do dique e a descida para a Gamboa.
Planta de João Massé com destaque no local do forte
A região do Campo de São Pedro aparece como área periférica nos mapas da segunda metade do século XVIII e, além do forte, tinha uma fonte que vertia água da melhor qualidade entre as outras nascentes existentes na cidade.
No mapa de 1798, obra do engenheiro militar Joaquim Vieira da Silva, vemos a cidade consolidada e no detalhe ampliado, a região do entorno do forte, na qual podemos destacar: a Casa da Pólvora dos Aflitos, construída no início do século XVIII; o forte de São Pedro; o Campo de São Pedro, na cota 60, ou seja, a 60 metros acima do nível do mar.
No mapa não há a indicação de outras construções, apenas uma área descampada.
Planta de 1798 adaptada ao levantamento aerofotogramétrico de Salvador, organizada pelo professor Mário Mendonça de Oliveira e pela arquiteta Larissa Nunes.
Coube ao 8º Conde dos Arcos, governador da Capitania da Bahia, promover melhorias na região, tendo em vista que após a vinda da Família Real, em 1808, o número de estrangeiros, principalmente os ingleses, a residir no Brasil havia aumentado. A maioria deles preferira ocupar áreas afastadas da cidade, como a região do Campo de São Pedro e da estrada da Vitória. Este grande campo era uma elevação que complicava o acesso à estrada da Vitória, contudo o nivelamento do campo ainda demoraria algumas décadas.
Em 1812, promoveu-se a abertura da estrada que do Campo Grande ia até o Rio Vermelho de Cima, o que facilitou a ocupação da região do Canela.
Em 1815, aproveitando o terreno comprado por seu antecessor, o 8º Conde dos Arcos construiu o primeiro jardim público da cidade. O Passeio Público foi inspirado no de Lisboa e no do Rio de Janeiro.
Havia uma intenção de aformosear a cidade tornando-a mais parecida com a capital, e o gosto dos estrangeiros influenciava as autoridades. Nessa época, o Campo de São Pedro ainda tinha características rurais.
Duas pinturas do início do século XIX retratam o Passeio Público, com o obelisco em homenagem à chegada da Família Real, e a população no Campo de São Pedro, em que se vê escravos carregando um barril, outros levando uma cadeirinha de arruar, mulheres ganhadeiras estendendo roupas lavadas e o forte de São Pedro.
O Passeio Público e o Campo de São Pedro
Em meados do século XIX, o engenheiro Carlos Augusto Weyll, em seu Mapa Topográfico da Cidade de S. Salvador e seus Subúrbios, registrou os primeiros alinhamentos de pequenas construções no Campo Grande.
O nivelamento dessa área começou por volta de 1830, a fim de interligar o centro da cidade a outras regiões como a Vitória, a Barra, o Rio Vermelho, mas levou duas décadas para ser concluído. Favoreceu, principalmente, os ingleses que possuíam terrenos próximos ao Campo Grande.
Mapa de Carlos Weyll (c. 185-)
Em meados de 1850, a região continuava a ser um descampado sem urbanização, mas por iniciativa do reverendo anglicano inglês Edward Parker, que morava no Campo Grande, o espaço começou a se transformar com a plantação de árvores e outras plantas.
A comunidade anglicana se estabeleceu em Salvador a partir de 1815, mas o culto era realizado nas residências.
A Saint George’s Church foi inaugurada em 1853, uma construção neoclássica que não se assemelhava com um templo religioso, sem torres e sem sinos, exigência das autoridades civis e religiosas.
O Campo Grande era frequentado pelos ingleses para atividades ao ar livre, como jogar cricket.
Na ilustração do artista suíço J. J. Wild estão representados os jogadores, enquanto mulheres assistem ao jogo protegidas pela copa de uma frondosa árvore. Algumas construções assobradadas aparecem ao fundo.
Saint George’s Church (Frond, c. 1860) e jogo de cricket (Wild, 1873)
Desde a primeira metade do século XIX, as regiões do Campo Grande e da Vitória foram moradas de cônsules, ricos negociantes brasileiros e estrangeiros. Em 1859 foi aberta a estrada 2 de julho, ou Rio Vermelho de Baixo, que margeava o Dique do Tororó. Em 1869 começou a funcionar a linha de bonde da Vitória até a praça da Piedade.
A cidade se expandia para os vales e era premente a articulação entre a cidade alta e a cidade baixa, e aos novos núcleos de ocupação.
A nossa conversa sobre o Campo Grande ainda vai render algumas cartas.
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Para saber mais
ALMEIDA, M. do C. B. E de. A Freguesia da Vitória, da Colônia à República. In: NASCIMENTO, J.; GAMA, H. (Org.). A urbanização de Salvador em três tempos: Colônia, Império e República. Textos críticos de história urbana. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2011, p. 211-227.
NASCIMENTO, A. A. V. Dez Freguesias da Cidade do Salvador. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1986.
SAMPAIO, C. N. 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX. Rio de Janeiro: Versal, 2005.