Alberto Oliveira


Ilustração: Sora IA

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, acaba de colocar o sistema bancário brasileiro em uma encruzilhada, com um despenhadeiro em cada lado do caminho que se escolha.

Decisão do ministro estabelece que decisões judiciais e leis estrangeiras não podem produzir efeitos no Brasil sem prévia análise pela autoridade brasileira competente, sob pena de violação da soberania nacional. 

Proferida em uma ação aberta pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que acionou o Supremo contra municípios brasileiros que abriram ações diretamente na Justiça do Reino Unido, em casos contra mineradoras britânicas, a decisão extrapola o direito interno e alcança a inserção do Brasil em uma rede financeira global regida por padrões rígidos, na qual descasar regras locais e práticas internacionais pode gerar custos significativos.

O mercado financeiro sentiu rapidamente o cheiro de sangue e o resultado foi queda no índice da bolsa de valores, alta das cotações do dólar e o derretimento de papéis dos principais bancos nacionais, que perderam quase R$ 42 bilhões em valor.

Isso porque a decisão alcança a Lei Magnitsky, criada em 2012 e ampliada em 2016. Ela autoriza Washington a punir autores de corrupção e violações de direitos humanos por meio de congelamento de ativos, restrições de visto e, sobretudo, bloqueio de acesso ao sistema em dólar e que se abateu sobre o ministro Alexandre de Moraes.

O dilema dos bancos, agora, diante da colossal insegurança jurídica: descumprem o estabelecido pelo ministro Flávio Dino e se arriscam a multas e prisões, ou cumprem a determinação e correm o risco real de ter fechadas as portas de acesso ao mercado financeiro mundial, com prejuízos econômicos que podem, no limite, levar ao encerramento de suas atividades?

Para operar em dólar, captar no exterior e emitir títulos, Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e BTG Pactual, por exemplo, dependem de correspondentes internacionais. E não se opera no sistema internacional virando as costas para a legislação americana. Os banqueiros sabem disso.

O embate entre uma decisão de corte constitucional e os mecanismos de compliance do sistema bancário global revela uma tensão fundamental: até que ponto um país pode exercer sua autonomia jurídica plena sem comprometer sua integração econômica e financeira internacional? A resposta não é simples, mas os riscos são tangíveis -- e crescentes.

A tentativa de desconsiderar unilateralmente sanções impostas por potências como os EUA não encontra precedentes em economias integradas. Mesmo países que criticam o uso excessivo de sanções unilaterais -- como Alemanha ou França -- não ordenam que seus bancos ignorem as sanções da OFAC (Office of Foreign Assets Control), braço do Tesouro americano responsável por implementar as penalidades, transformando o sancionado em um “pária financeiro”.

O motivo é simples: a reputação institucional e o acesso aos mercados financeiros são ativos que não podem ser comprometidos por disputas jurídicas internas.

O Brasil, como economia emergente, depende da confiança internacional para manter sua dívida externa sob controle, financiar investimentos produtivos e garantir a fluidez de suas transações comerciais. Qualquer ruído institucional que coloque essa confiança em xeque -- ainda que motivado por argumentos legítimos -- pode ter efeitos multiplicadores negativos, principalmente em tempos de aversão global ao risco.

A controvérsia em torno da obrigatoriedade -- ou não -- de o setor bancário brasileiro seguir sanções unilaterais impostas por outros países, como as da Lei Magnitsky, revela uma dicotomia clássica das democracias inseridas na globalização: a defesa da soberania jurídica versus a necessidade de pragmatismo diante das interdependências financeiras internacionais.

Espera-se, com baixíssimo nível de esperança, que o ministro Flávio Dino saiba desatar o nó que criou.

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EspIA só!
 

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