Alberto Oliveira

Censura à imprensa é desrespeito e uma afronta à Constituição do País

Censura, por mais sofisticada que seja sua roupagem, é sempre censura


Ilustração: Sora IA

A liberdade de imprensa é um dos pilares de qualquer democracia consolidada. Prevista no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, essa garantia fundamental é indispensável para a transparência dos poderes, o controle social e o direito à informação.

No entanto, no Brasil contemporâneo, a censura volta a ganhar contornos preocupantes, não mais sob a forma bruta dos regimes autoritários do passado, mas travestida de "decisões judiciais", "direito à imagem" e "proteção da honra".

A censura judicial emerge como um dos instrumentos mais eficazes de silenciamento, especialmente contra a imprensa independente e jornalistas investigativos.

Relatório da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), divulgado nesta terça-feira (20 de maio), evidencia esse novo tipo de ameaça.

Em 2024, os casos de censura judicial saltaram de cinco para onze, e o assédio judicial respondeu por quase 16% dos casos de violência contra jornalistas.

Mais alarmante ainda é o fato de que a maioria dessas ações judiciais parte de figuras poderosas do setor político, econômico e religioso, revelando um padrão sistêmico de utilização do Judiciário para calar a imprensa.

A Constituição enxovalhada

A Constituição Federal é clara: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (Art. 5º, IX). Essa previsão tem caráter de cláusula pétrea, ou seja, não pode ser suprimida nem mesmo por emenda constitucional. A liberdade de imprensa, portanto, não é uma concessão do Estado, mas um direito inviolável da sociedade.

Contudo, é justamente por meio de interpretações distorcidas desse mesmo artigo que muitos juízes têm legitimado a censura. Alegando proteger a honra, a privacidade ou a imagem de determinados indivíduos, magistrados têm concedido liminares que impedem a publicação de reportagens, determinam a remoção de conteúdos e impõem multas desproporcionais. A jurisprudência brasileira, que deveria servir como instrumento de proteção dos direitos fundamentais, tem sido utilizada para sufocar o direito coletivo à informação.

O assédio judicial se configura quando há o uso abusivo de instrumentos legais para intimidar, desgastar financeiramente ou paralisar o trabalho jornalístico. Muitas vezes, isso se dá por meio de processos sucessivos, distribuídos em diferentes jurisdições, exigindo deslocamentos onerosos e o pagamento de custas judiciais vultosas. Tal estratégia é particularmente eficaz contra pequenos veículos de comunicação e jornalistas independentes, que não dispõem de assessorias jurídicas robustas.

Esse tipo de assédio não apenas compromete o direito de informar, mas também desestimula a investigação jornalística, criando um ambiente de autocensura. Afinal, poucos profissionais ousam enfrentar processos milionários ao noticiar fatos de interesse público, sobretudo quando os alvos da investigação são figuras influentes.

Não por acaso, a censura judicial tem sido mais frequente nas regiões onde o jornalismo independente ainda resiste como contraponto aos monopólios midiáticos. Estados do Norte e Nordeste, por exemplo, têm registrado um aumento de decisões judiciais que cerceiam reportagens sobre corrupção, nepotismo e violações de direitos. Também chama a atenção o número crescente de influenciadores e líderes religiosos que recorrem à Justiça para silenciar críticas e investigações sobre suas atividades.

A ascensão da censura judicial ocorre, paradoxalmente, em um momento de avanço tecnológico da comunicação e de maior capilaridade das mídias digitais. Ao mesmo tempo que ampliam o acesso à informação, essas plataformas tornam-se alvo preferencial de censura, uma vez que seu conteúdo escapa ao controle editorial tradicional e é potencialmente mais crítico e plural.

Nos Estados Unidos, a Suprema Corte estabeleceu jurisprudência firme contra a censura prévia, especialmente após o caso "New York Times Co. v. United States" (1971), quando o jornal foi autorizado a publicar os "Pentagon Papers", documentos secretos sobre a guerra do Vietnã. A decisão reafirmou que a liberdade de imprensa é essencial para o funcionamento da democracia, mesmo quando confronta interesses do Estado.

Na União Europeia, a Corte Europeia de Direitos Humanos tem sido rigorosa na proteção do jornalismo investigativo. Casos de censura são tratados como violações graves da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

O Brasil, ao contrariar essa tendência internacional, se afasta das boas práticas democráticas. A permissividade com que se concede liminares censórias compromete a imagem do Judiciário e enfraquece as instituições democráticas.

Censura, por mais sofisticada que seja sua roupagem, por mais engenhosos que sejam os vocábulos escolhidos, é sempre censura. O uso do aparato judicial para coibir a liberdade de imprensa representa uma afronta à Constituição e um retrocesso civilizatório. É fundamental que o Judiciário assuma sua responsabilidade institucional e atue como garantidor dos direitos fundamentais, não como instrumento de sua violação.

Mais do que isso, é urgente que se estabeleçam salvaguardas legais contra o assédio judicial, como a uniformização de jurisprudências, a penalização de litigantes de má-fé e a criação de instâncias específicas para avaliar pedidos de censura. A sociedade civil também deve se mobilizar para defender o jornalismo como um bem público, essencial à democracia e à formação de uma opinião pública consciente.

Reafirmar o direito à informação é, em última instância, reafirmar o compromisso com a democracia. Nenhuma democracia sobrevive sem imprensa livre. E toda censura, venha de onde vier, deve ser denunciada, combatida e abolida.