O poder de compra das famílias está derretendo
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Tenta-se convencer os brasileiros de que os juros elevados são a causa de a inflação, no Brasil, ter furado o teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, uma visão que inverte a relação de causalidade. É a inflação persistente que exige juros altos, e não o contrário.
Defensores da tese de que juros altos causam inflação argumentam que taxas elevadas aumentam o custo do crédito e reduzem investimentos. No entanto, manter juros baixos em um ambiente inflacionário tem consequências ainda mais graves.
Juros baixos reduzem a atratividade do real, levando a uma fuga de capitais e aumento dos preços de produtos importados. Sem um freio na demanda, os preços continuam subindo. Além disso, a falta de compromisso com a inflação afasta investidores e piora as expectativas.
A taxa de juros é a principal ferramenta de controle da inflação utilizada pelo Banco Central. Quando os preços sobem de forma generalizada, como acontece neste momento, a autoridade monetária aumenta a taxa básica (Selic) para desestimular o consumo e o crédito, com isso reduzindo a pressão sobre os preços. Esse mecanismo está alinhado com o que preconiza a teoria econômica e é aplicado globalmente.
Não se trata, portanto, de um ataque à democracia ou aos poderes estabelecidos, acusação feita ao ex-presidente do BC, Roberto de Oliveira Campos Neto, como se ele, isoladamente, fosse o responsável por determinar o nível de juros básicos aplicados à economia brasileira. A taxa de juros, na verdade, é definida pelo Comitê de Política Monetária e não pelo presidente do Banco Central, unilateralmente.
Se a hipótese de que juros altos causam inflação fosse verdadeira, esperaríamos ver uma correlação direta entre aumentos da Selic e um crescimento incontrolável da inflação. No entanto, a experiência empírica mostra o oposto: quando os juros são elevados, a inflação tende a desacelerar.
O Brasil adota um sistema de metas para a inflação, ancorado na credibilidade do Banco Central, duramente atacada no passado recente, o que serviu apenas para aumentar o grau de incerteza do mercado financeiro, em particular dos investidores estrangeiros.
Quando o BC eleva os juros dá um sinal de que está comprometido em conter a inflação, o que reduz as expectativas inflacionárias e modera os reajustes de preços. Inexiste, portanto, qualquer "arapuca" montada no coração da autoridade monetária para implodir a economia. Mas sobram indicadores apontando para um descontrole fiscal incompatível com o crescimento sustentado e duradouro.
O Brasil tem uma história de inflação elevada devido a diversos fatores estruturais, como por exemplo a indexação (muitos contratos e preços são ajustados automaticamente com base na inflação passada), a baixa produtividade (a falta de inovação e eficiência na produção contribui para pressões de custos), gastos públicos elevados (o déficit fiscal constante gera pressão inflacionária) ou choques externos (flutuações no preço do petróleo e alimentos impactam a inflação).
O poder de compra das famílias brasileiras tem sido severamente corroído pela combinação de juros altos e inflação elevada, em especial a dos alimentos, com impactos profundos sobre a camada mais vulnerável da pirâmide social, que destina a maior parcela de seus ganhos para itens básicos como alimentação, transporte e moradia.
Enquanto a inflação reduz o valor real do dinheiro, tornando os produtos e serviços mais caros, os juros elevados dificultam o acesso ao crédito e encarecem o custo de vida. Essa combinação impacta diretamente o bem-estar financeiro das famílias e perpetua a desigualdade econômica.
No Brasil, onde muitas famílias dependem do parcelamento para adquirir bens de maior valor, juros elevados tornam financiamentos e empréstimos impraticáveis. Isso limita a capacidade de consumo, restringe investimentos familiares e compromete a qualidade de vida.
O setor produtivo também é afetado pela política monetária restritiva, que eleva os custos, reduz a capacidade de investimento e contratação, agrava o desemprego e intensifica o ciclo de dificuldades financeiras das famílias.
Se há uma "arapuca" armada sobre a economia brasileira, definitivamente deve-se buscar a autoria da armadilha em Brasília, mas o endereço certamente não é o Setor Bancário Sul, Quadra 3, Bloco B - Asa Sul, onde fica o Banco Central.