
O Departamento de Estado dos Estados Unidos divulgou nesta terça-feira (12 de agosto) um relatório afirmando que a situação dos direitos humanos no Brasil se deteriorou em 2024. O documento, elaborado sob a gestão do republicano Donald Trump, faz críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ministro do STF Alexandre de Moraes e à prisão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O relatório integra a edição de 2024 do “Relatório de Práticas de Direitos Humanos por Países”, apresentado ao Congresso americano e referente a 196 nações-membro da ONU. O documento, referência global na área, é utilizado em processos judiciais nos EUA e em cortes internacionais.
Segundo o Departamento de Estado, tribunais brasileiros teriam adotado medidas amplas e desproporcionais que restringiram a liberdade de expressão e de acesso à internet, afetando milhões de usuários. A pasta afirma que discursos de apoiadores de Bolsonaro, jornalistas e políticos eleitos foram bloqueados, muitas vezes por meio de processos sigilosos, sem garantias de devido processo legal.
O texto aponta que o governo brasileiro classificou como “discurso de ódio” manifestações políticas desfavoráveis, termo que, segundo o relatório, não corresponde aos parâmetros do direito internacional. Também critica a proibição temporária do uso de VPNs, sob pena de multa, o que, de acordo com os EUA, reduziu proteções de privacidade e prejudicou a liberdade de imprensa.
Entre as menções específicas, o documento cita decisões atribuídas ao ministro Alexandre de Moraes, que teria ordenado a suspensão de mais de 100 contas na plataforma X (antigo Twitter), atingindo principalmente apoiadores de Bolsonaro. O governo Trump relaciona esse ponto à justificativa para a imposição de tarifas a produtos brasileiros.
O relatório também aborda a prisão de manifestantes envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023m afirmando que centenas de acusados permaneceram presos por meses sem acusação formal e sem acesso a defesa jurídica, segundo relatos de grupos de direitos humanos e de figuras políticas.
Em outro trecho, o governo Trump critica declarações de Lula sobre o conflito em Gaza. Em 18 de fevereiro de 2024, o presidente brasileiro afirmou que “o que está acontecendo na Faixa de Gaza é um genocídio” e comparou a situação à perseguição de judeus pelo regime nazista. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) repudiou a fala, acusando o governo de adotar postura “extrema e desequilibrada” em relação ao conflito no Oriente Médio.
A publicação marca uma mudança em relação ao relatório do ano anterior, produzido sob a administração do democrata Joe Biden, que avaliou as eleições brasileiras como livres e justas, apontando apenas preocupações pontuais, como assédio eleitoral e ações da Polícia Rodoviária Federal que poderiam ter dificultado o voto no Nordeste em 2022.
O jornal The Washington Post noticiou que a redação do documento sobre o Brasil gerou desconforto no Departamento de Estado, com servidores acusando o processo de estar “indevidamente politizado”.
No fim de julho, antes da divulgação do relatório, o governo Trump aplicou sanções a Alexandre de Moraes com base na Lei Magnitsky, que prevê restrições econômicas a estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos. O criador da lei manifestou-se contra a medida aplicada ao ministro do STF.
Deu no Wall Street Journal
Um texto assinado pela colunista Mary Anastasia O’Grady e publicado no domingo (10) no The Wall Street Journal afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes estariam conduzindo um “golpe de Estado” contra a democracia no Brasil, por meio de censura a opositores, prisões e inquéritos sem controle institucional.
O artigo critica de forma incisiva a atuação de Moraes. Segundo o texto, o ministro teria adotado práticas comparáveis às de “ditadores do século XXI”, que, em vez de chegarem ao poder por meio de golpes militares, “seguem o modelo de Hugo Chávez, consolidando o controle sobre instituições democráticas enquanto contam com popularidade, para depois prender adversários ou forçá-los ao exílio”.
De acordo com o WSJ, o caminho para uma possível ditadura no Brasil teve início em 2019, quando o STF, alegando sofrer ameaças, abriu o chamado “inquérito das fake news”. Nesse processo, afirma o jornal, a Corte atuou simultaneamente como acusadora, investigadora e julgadora. “Moraes foi escolhido sem sorteio, passou a vigiar redes sociais, criminalizar opiniões e prender preventivamente críticos do tribunal”, aponta o texto.
A condução de Moraes à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2022 também foi alvo de críticas. O periódico relata que o tribunal “tornou-se notavelmente mais político, monitorando o discurso de partidos, candidatos e cidadãos, e censurando aqueles com quem discordava”.
O artigo questiona ainda a forma como foram conduzidas as investigações sobre os atos de 8 de janeiro de 2023. Segundo o texto, aproximadamente 1.500 suspeitos foram detidos, alguns por até um ano antes do julgamento, e receberam “penas severas por infrações menores”. O jornal sustenta que casos de violência atribuída à esquerda são tratados com “compreensão”, enquanto opositores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentariam “mão de ferro”.
O texto também menciona a decisão do STF, em março de 2021, de anular as condenações por corrupção de Lula, confirmadas em duas instâncias, medida que teria “inflamado a direita brasileira”. Na visão do WSJ, a partir desse momento, a Corte buscou silenciar críticos, mas parte deles estava no exterior e fora do alcance de suas ações.
Em julho de 2021, prossegue o jornal, foi aberto o “inquérito das milícias digitais”, que teria como alvo empresas de tecnologia dos Estados Unidos, obrigando-as a remover conteúdos e desmonetizar brasileiros cujas opiniões fossem consideradas “inaceitáveis” pelo STF, sob pena de perder o direito de operar no país.
Na conclusão, o artigo afirma que, “independentemente do que se pense sobre Jair Bolsonaro, é evidente que a política tomou conta do Supremo”. O texto informa que senadores alinhados à direita tentam abrir processo de impeachment contra Moraes para “restaurar a imparcialidade judicial” e que até membros da elite brasileira estariam reclamando de “ministros embriagados de poder”.
O WSJ cita ainda que tarifas de 50% impostas pelo então presidente Donald Trump às importações brasileiras teriam fortalecido o nacionalismo e a popularidade de Lula, mas que a recente sanção aplicada pelo Departamento do Tesouro dos EUA contra Moraes, com base na Lei Magnitsky, “parece ter chamado a atenção dos demais ministros da Corte”, os quais, segundo o jornal, estariam cientes de que novas medidas podem ser adotadas caso o Brasil não restabeleça o Estado de Direito.