Chico Ribeiro Neto

Era sagrada. Hora de tirar ligeiro a farda do Ginásio São Bento e de trocar o caderno pela bola, que escreve certo com linhas tortas.

Eu tinha 14 anos e nossa turma de rua jogava ao pé da Ladeira dos Aflitos, antes da construção da Avenida Contorno. A trave era formada por um poste de ferro num canto e no outro uma pedra grande. Sem travessão, o gol com bola alta era sempre questionado: “Foi alta!”, berrava e gesticulava o goleiro. Era um bate-boca retado se foi gol ou não. Não adianta botar juiz em baba de rua. Como todos o conhecem, ninguém o respeita. Vira uma esculhambação só.

“Vai ser partida de quanto?” O tempo era o número de gols. “Vai ser partida de 3”. O time que fizesse 3 gols primeiro, ganhava o jogo. Quando tinha torneio início, com muitos times, era assim: primeiro gol de qualquer lado, acaba.

Duro mesmo era tomar uma “chupeta” de Mondrongo, quando o jogador coloca a sola do pé travando sua canela quando você chuta a bola. Era uma porrada de você sair torto.

Como o “gramado” era de paralelepípedo, era comum arrancar a cabeça do dedão na hora de um chute forte. Perna ralada, cotovelo ralado ou cabeça quebrada.Um jornalista me contou que o filho dele, de 8 anos, depois de ver Neymar na TV, toda vez que toma uma falta sai rolando pelo campo.

Ora, quem toma uma porrada fica parado no chão com dor, não sai rolando. Neymar é um péssimo exemplo, no futebol e na política.

O pior jogador ia pegar no gol, menos mal para o time, assim achavam. Tinha o baba dos pequenos e o dos grandes. Às vezes, um pequeno ágil era escalado para o time dos grandes.

A rádio-patrulha aparecia e todo mundo corria. Naquele tempo a Polícia Militar não atirava em quem corria. Eles só queriam pegar a bola, mas logo depois aparecia outra, bola ou viatura.

Meu saudoso irmão Luiz “apanhava” toda quarta-feira. Saía do Colégio João Florêncio Gomes, na Cidade Baixa, e ia pro baba. Mamãe Cleonice avisava: “Se for jogar bola depois da aula, vai apanhar”. E toda quarta era um baba e uma surra.

Uma das certezas em qualquer baba: o cara que mais reclama é o que menos joga. Lembro também que quando alguém queria atravessar a rua do baba, principalmente se fosse mulher ou idoso, havia o famoso grito: “Para a bola!”

Algumas expressões do baba:

“Viva São João” – Quando o zagueiro dava um bico pra cima.

“Prensada é da defesa” – Bola que saiu prensada entre atacante e zagueiro, a devolução é sempre da defesa.

“Deu caruara” – Quando perde um gol fácil de fazer.

“Banho de cuia” – Quando deu um “chapéu” no adversário.

“Viu, puta?” – Dizia o atacante quando dava um drible desconcertante no zagueiro.

“Dor de facão” – Dor fina que dava no lado da barriga durante o baba. Pra passar a dor, era só colocar um pedacinho de qualquer planta ou mato na cintura.

Suado e feliz, a volta pra casa. Ainda faltava fazer o dever da escola, mas aquele gol que perdi foi foda. Cabeça do dedão sangra, mas resta uma esperança: “Amanhã eu faço aquele gol”.

Colunas anteriores
Ver mais notícias desta seção: mais recentes · mais antigas