Chico Ribeiro Neto

Um anjo de copo na mão


Foto: Pixabay/Creative Commons

Toma-se uma? Bêbado não quer ficar rico, quer viver o momento. Ele é parente do poeta.

Ele também briga, mas a maioria canta, chora e abraça. O bêbado é inigualável.

Sabe que a vida é breve e por isso pede a saideira. Depois, dorme como um anjo, sem esperança de vida eterna.

Todo bêbado adora crianças e com elas tem uma sintonia enorme. Igual com os loucos.

Ele traz poesia nos bolsos, uma imensa vontade de amar e uma dedicação especial às coisas pequenas, aos detalhes do viver.

“Ele até que é uma pessoa boa, mas quando bebe fica melhor ainda.”

Calados e falastrões, brigões e chorões, dorminhocos e insones, devedores e ricos, apaixonados e traídos, todos fazem parte dessa legião de bêbados que alegra a cidade e conhece a verdadeira face da madrugada.

Tive uma ex-namorada que me dizia: “Vamos tomar uma pra botar o passado em dia?”

E um amigo me revelava: “Estou lucidamente bêbado!”

Outros dizem que “beber é igual a andar de bicicleta: se parar, cai.”

Quando o cara para de beber começa a doer tudo: a cabeça, a barriga, dói até a alma.

Mas bêbado também faz merda, e como machuca a ressaca moral!

Rubem Braga escreve maravilhosamente na abertura de sua crônica “Biribuva”, de agosto de 1948: “Era meia-noite, com chuva e com vento frio. O gatinho estava na rua com um ar tão desamparado que o meu amigo se impressionou. Verdade que meu amigo estava um pouco bêbado; se não estivesse, talvez nem visse a tristeza do gatinho, pois já notei que as pessoas verdadeiramente sóbrias não enxergam muito; veem apenas provavelmente o que está diante de seus olhos no tempo presente. O bêbado vê o que há e o que deveria ter havido antigamente, e além o que nascerá na madrugada que ainda dorme, no limbo de trevas e luz da eternidade – embaixo da cama de Deus.”

Minha saudação ao bêbado, esse anjo de copo na mão que tenta caminhar pelo mundo levando canções e procurando acertar seu passo com o seu sonho.

Todos se parecem: bêbados, poetas e loucos. Pena que somos poucos.