Chico Ribeiro Neto

Pra encher a boca de água

Ainda lembro da grande mesa da sala da casa 25

A mesa está pronta. É 1953, tenho cinco anos e ainda lembro da grande mesa da sala da casa 25 na Rua 2 de Julho em Ipiaú, Bahia.

Eram sempre dois tipos de carne. Se tivesse um bife, tinha um ensopadinho também. Vovô Chico sempre botando mais comida no prato da gente: “Esse menino tá comendo muito pouco!”

Só de lembrar do suculento malassado que mamãe Cleonice fazia, boiando no caldo, a minha boca enche de água. Um prato bonito e gostoso era o xuxu com ovos: as rodelas de xuxu com os ovos fritos por cima, inteiros.

O ensopado de bacalhau com batatinha era outro mapa maravilhoso. Até hoje prefiro esse ensopado ao bacalhau de forno. Lembro que vovô, em época de Natal, distribuía meia barrica de bacalhau com quem ia pedir um donativo natalino. Era tão barato que havia um ditado que dizia: “Pra quem é, farinha e bacalhau basta”.

Como esquecer da “mantinha”, um bife fininho, sem gordura e grelhado, bem sequinho e delicioso? E o macarrão de forno, com três ou quatro camadas de queijo e presunto? E a simplicidade saborosa de um macarrão com galinha de ensopado com batatas?

As beiradas do fogão a lenha torram caroços de abóbora, hoje vendidos em lojas de produtos naturais a 9,50 reais cada 100 gramas.

Um dia, a gente (éramos quatro irmãos) jogava bola no longo corredor da casa quando meu pai Waldemar chegou da sua Padaria Minerva para almoçar. Justamente na hora em que papai entrou a bola veio quicando pra ele, no ponto de chutar. O velho encheu o pé, a gente saiu de baixo e a bola foi em cheio no meio da cristaleira lá na sala, ao fundo do corredor.

Uma noite a gente estava sentado pra tomar café. Mamãe trazia o café com leite e açúcar numa grande panela. Ela já vinha mexendo a panela pro café esfriar e colocar na xicara de um por um. Papai tinha comprado um revólver e acabava de chegar da padaria. Só que ele entrou pé ante pé (naquele tempo a porta das casas só ficava encostada) e chegou devagarinho, de chapéu caído, no fundo do corredor. Foi aí que gritou, apontando a arma: “Mãos ao alto!”. Foi café pra todo lado, minha mãe esbravejando e o velho morrendo de rir.

Ah, e os doces! Aquele doce de leite bem grosso, com as bolotas dentro. O doce de goiaba em calda, aquelas rodelas vermelhas boiando. Abacaxi em calda, hummmmm! Tapioca torrada no forno com açúcar. Abacate com açúcar amassado com garfo e uma merenda que eu gostava muito: pão de sal com manteiga e leite em pó por cima, aí colava tudo.

Um prato delicioso e inesquecível. Quando a gente vinha a Salvador usava três meios de transporte para voltar a Ipiaú: o navio de Salvador a São Roque do Paraguaçu; o trem de São Roque até Santo Antônio de Jesus, onde pegava o ônibus até Ipiaú. Quando o navio chegava a São Roque, por volta do meio-dia, todo mundo saía correndo pra pegar lugar sentado no trem. Do lado de fora homens e mulheres vendiam pela janela do trem um PF maravilhoso de arroz e camarão. Era muito camarão mesmo, o pessoal colocava sem pena, e você tinha que comer ligeiro pra dar tempo de devolver o prato e o garfo antes do trem sair.

Depois do almoço em Ipiaú, se a sobremesa fosse melancia a cozinheira Agostinha pedia pra ninguém jogar fora as cascas. Com uma faquinha, ela esculpia rapidamente as cascas fazendo surgir bonecos, animais e flores, para nossa alegria. E Agostinha sorria contente.