Chico Ribeiro Neto

O caminhão trouxe a caixa e nossa turma de rua começou a morrer

...e um cara de macacão com uma escada nas costas


Foto: Pixabay/Creative Commons

O grito do menino saiu quando ele viu aquela caixona descer do caminhão e o carregador se aproximar da casa dele. É a televisão que tá chegando e vai ficar no melhor lugar da sala.

A TV Itapoan começou a operar em Salvador em novembro de 1960, quando eu tinha 12 anos. As lojas e camelôs logo começaram a vender as capas para televisor, muitas com o indiozinho símbolo da Itapoan. Muitos colocavam papel celofane vermelho, azul ou verde para a TV ficar “colorida”. Quando a tela começava a chuviscar era só colocar um pedaço de Bombril na antena interna que a imagem voltava.

(A TV Aratu surge em março de 1969. Dias antes de entrar no ar fez testes de seleção para locutor/apresentador e eu me inscrevi. Depois de pegar uma fila da zorra, tinha que sentar na bancada e ler um texto curto: começava com Bom Dia e depois lia uma notícia curta. Eu não passei do Bom Dia, pois o encarregado da seleção me dispensou logo: “Pode ir. Próximo!”).

A primeira TV lá da rua (e era muito cara) foi da tia de Chico Canela, nosso companheiro da turma. E não deu outra: todo mundo ia pra casa dele assim que começava a programação, à noite, e só saía no final. Era um apartamento térreo na rua Tuiuti e tinha menino em todo canto da sala, até debaixo da mesa, e também nas janelas. Alguns sabiam de cor todos os comerciais.

O programa “O Parquinho”, apresentado por Tia Arilma, foi grande sucesso na década de 70 e início dos anos 80. José Jorge e Jorge Santos comandavam aos sábados o programa “JJ Comanda o Espetáculo”, onde lançou nomes como Gilberto Gil. O grande cantor e compositor Luiz Vieira (“Sou menino passarinho/ Com vontade de voar”) fazia um programa semanal de grande audiência.

A TV começou a matar a nossa turma de rua que se encontrava toda noite na esquina da rua Tuiuti com a Gabriel Soares (Ladeira dos Aflitos). Como a gente via televisão até 8 ou 9 da noite, quando acabava a programação já tava na hora de ir pra casa dormir pra pegar a escola no dia seguinte.

Lembro da grande série do Vigilante Rodoviário Carlos enfrentando todos os tipos de criminosos acompanhado do pastor alemão Lobo. Tinha ainda um programa de calouros chamado “O Céu é o Limite”.

Teve um dia, era um programa local (tudo ao vivo, o videoteipe só viria depois) e de repente apareceu no ar um cara de macacão atravessando o cenário com uma escada nas costas. O pessoal começou a gritar pra ele sair logo de cena e ele, meio sem entender o que estava acontecendo, ainda fez aquele gesto de quem pergunta “é comigo?

Surgiram logo os consertadores de TV. As oficinas de conserto de rádio passaram também a consertar televisor, muitos “técnicos” ainda fazendo experimentos. Uma vez, um motorista do jornal onde eu trabalhava se meteu a consertar TV e eu tive a coragem de entregar a ele o meu televisor quebrado para conserto. Depois de um mês cobrando pelo aparelho, disse a ele aborrecido: “Traga a minha televisão amanhã do jeito que estiver”. E ele: “Chico, eu já lavei as peças, só tô esperando enxugar”.

Dona Candolina, uma senhora de uma cidade do sertão baiano, recebeu o técnico para consertar sua TV. O rapaz chegou e perguntou a ela o que é que o aparelho tinha e ela explicou assim o defeito: “Quando ela proseia, não mageia; e quando mageia, não proseia”.