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Quando eu era pequeno ouvia dizer que se cavasse um buraco no quintal sem parar a gente ia chegar no Japão. Eu me imaginava botando a cabeça pra fora no meio do quintal de uma família japonesa e o japa, ao me ver, daria um grito de espanto e iria correndo chamar a mulher: “Venha ver ligeiro. Nasceu um brasileiro no quintal! O que será que nós plantamos?”
Mas não precisou cavar até o Japão. Cavando pouco no meu quintal da casa 25 da Rua 2 de Julho, em Ipiaú (Bahia), eu já descobria meio mundo. Adorava cavar nas partes mais úmidas, perto do tanque de aparar água de chuva. Daquela terra molhada saíam as minhocas que eu colocava na palma da mão para admirar o movimento delas. Cavar era bom também para ver a vida das formigas, as sementes, as pedrinhas e muito mais. Um amigo me ensinou a tirar as antenas das formigas de mandioca e colocá-las para brigar. Brigavam até morrer. Como se diz, “menino tem arte do cão”.
Quintal que se preza tem que ter um bom lugar pra se esconder. A roupa secando, as conversas dos vizinhos, o tempo passa diferente no quintal. Foi no quintal que uma menina bonita levantou a saia pra mim, sorriu e depois saiu correndo.
Meu quintal tinha um grande pé de abacate, onde eu subia para ficar sentado lá no galho, mesmo sem ter abacate, só espiando o mundo. No final tinha um muro e o portão, depois um caminho de terra e uma descida que ia dar no Rio de Contas, para onde a gente corria depois de gritar para mamãe Cleonice: “A bola caiu no rio! (Foi chutada para lá, de propósito). A gente vai ter que ir lá pegar”. “Vão, mas não demorem”. Era mais de uma hora de banho de rio.
Entrando no quintal, logo à direita tinha um pé de tomate, nascido das sementes jogadas na hora de lavar a bacia dos temperos. À esquerda tinha um pé de pimenta malagueta, que nunca faltava. “Menina, pega ali três pimentas no pé”, dizia minha mãe para a empregada na hora do almoço.
No quintal tem uma novidade todo dia. É só saber cavar, garimpar ou imaginar. Quintal de se jogar ferrinho ou gude, além de participar dos “cozinhados” com as meninas.
“Sai desse quintal, menino! Não sei porque Chiquinho gosta tanto de ficar no quintal. Não sei o que foi que ele achou ali de tão importante!”, bradava Tia Nina.
Diz o poeta Manoel de Barros: “No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro”.
E é também Manoel de Barros quem escreve: “Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos”