Chico Ribeiro Neto

3 histórias de cornos e o sarapatel das madrugadas nas Sete Portas

Com direito a salada de alface no sanitário

O Bar do Biu, que tinha uma deliciosa feijoada, ficava no primeiro andar de um velho casarão do Largo do Mucambinho, perto do Largo 2 de Julho, em Salvador. O térreo abrigava a sede do Grêmio Brasileiro de Trovadores, fundado pelo incansável poeta de cordel Rodolfo Coelho Cavalcante. A gente chegava lá depois de enfrentar uma velha escadaria de madeira que balançava a cada pisada.

Uma parede do Bar do Biu era reservada para colar os “borrachudos” (cheques sem fundo). Quem quisesse escapar da execração pública tinha que ir lá correndo quitar a dívida.

“O senhor vai querer salada acompanhando?”. “Vou, sim”, respondi depois de ver a bela salada de alface, tomate e cebola na mesa vizinha. Pedi uma feijoada e uma cerveja. Antes de o rango chegar, resolvi ir ao sanitário e qual não foi a minha surpresa: em cima do bidé estava uma bacia de alumínio cheia de alface. A salada voltou da mesa sem ser tocada.

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Eu era editor de Texto (chefe do Copy-Desk) na Tribuna da Bahia, na década de 70, e toda sexta à noite, depois de fechar o jornal entre 23 horas e meia-noite, a gente ia para o Mercado das Sete Portas comer sarapatel, mocotó, feijoada ou galinha ao molho pardo. Alguns ainda passavam em casa antes para pegar as mulheres.

Tinha um colega que saía umas 5 da manhã, hora em que estavam chegando os vendedores de folhas e tempero verde. E ele, pra fazer a média em casa, investia o que sobrou da farra num molhe de coentro, uma cebolinha e alface, que recebia pela cara depois que a mulher abria a porta. “Trago a feira e sou recebido desse jeito”.

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Um amigo dono de bar na avenida Vasco da Gama me contou que uma vez chegou um cara, 3 horas da tarde, tomou uma cerveja no balcão. Pediu a segunda cerveja e, como era o único freguês naquele horário, desabafou chorando para o proprietário: “Rapaz, tô muito triste, descobri que minha mulher está me traindo e o pior é que tô sem dinheiro pra pagar essas cervejas, tô arrasado, e não vou poder pagar a cerveja”.

Meu amigo tentou consolar o traído: “Amigo, mulher você arranja outra em qualquer lugar, se acalme, não se preocupe com a cerveja, tá tudo certo. Vá embora e fique calmo, não vá fazer besteira”. Quando ele me contou a história eu lhe disse: “Rapaz, se você dispensar do pagamento todo corno que chegar aqui, você vai quebrar logo”.

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Por falar em corno, lembrei outro caso. Morei num prédio em Salvador onde acordei numa madrugada ouvindo a maior gritaria. No prédio vizinho, um marido que estava viajando e chegou antes do previsto surpreendeu o “Ricardão” dentro de casa. O cara conseguiu fugir e aí começou a confusão dele com a mulher. Aos berros, ele exigia: “Diga que você é uma prostituta, diga!” Em prantos, ela falava, ele pedia mais alto e ela gritava: “Eu sou uma prostituta”. E ele berrava: “Tá vendo? Tá vendo? E ainda confessa!”

Essa tortura levou mais de uma hora até ele começar o quebra-quebra dentro de casa. Foi uma zuada da zorra às 3 horas da manhã. É por isso que eu acho que em casa de corno os pratos, xícaras, copos e vasos de planta, tudo isso devia ser de plástico.

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Foi no Bar Quintal do Raso da Catarina, na década de 70, que nasceu “O Glorioso e Imortal Terno do Chifre Encantado” ou “O Popular Rancho dos Cornos”.

Criada para comemorar a Festa de Reis, a agremiação saía em direção ao Largo da Lapinha “arrastando multidões de cornos assumidos e felizes”, segundo o livro “Memórias do Bar Quintal do Raso da Catarina”, de Sérgio Guerra, Gutemberg Guerra, Clara Arcela e Paulo Roberto Bonfim.

O livro cita ainda que a música do Terno do Chifre Encantado “começava com a apropriação do refrão popular que dizia: é melhor ser corno que prefeito, disto ninguém duvida, pois prefeito é só por quatro anos, e corno é por toda a vida”.