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Noite de chuva, um vento frio, todo mundo dentro de casa, ainda não tinha televisão, e aí alguém tinha a ideia: “Vamos contar caso de assombração!” E a meninada gritava, adorava, era gostoso ter medo desse jeito. Era uma festa! O difícil era ir dormir quando acabavam os casos.
As histórias se misturavam na cabeça: de lobisomem, da casa mal-assombrada e da mula sem cabeça. Ninguém queria ir dormir sozinho, era todo mundo indo pra cama na mesma hora, de preferência com a luz acesa. Compartilhar o medo.
Tio Rubens gostava de contar história de assombração e ainda representava os personagens. Tem aquela do cara que ia viajando numa estrada, à noite, quando alguém levantou a mão pedindo uma carona. Ele parou o carro, ofereceu a carona e o sujeito entrou: era de pouca conversa e usava uma capa preta que ia quase até os pés. Quando chegaram na cidade, quase perto de meia-noite, ele pediu para ficar numa esquina defronte ao cemitério: “Aqui tá bom pra mim”. Estendeu a mão para lhe agradecer a carona, quando o motorista observou: “Falta um dedo na sua mão, o que foi isso?” E o estranho carona respondeu:
- Ah, vou lhe contar a história. Eu morri atropelado e o carro fugiu. Era de noite e veio outro cara, que parou junto de meu corpo. Reparou que na minha mão tinha um anel de brilhante. Tentou tirar o anel e não conseguiu. Então, cortou meu dedo e o levou junto com o anel.
- Mas que absurdo, como é que a pessoa faz uma coisa dessa! Mas você não conseguiu depois descobrir quem foi?
- Descobri somente anos depois, quando tinha voltado à vida da Terra por uns tempos.
- E quem foi?
- FOI VOCÊ! – gritou o carona da capa preta assustando todos os meninos na sala.
Tio Rubens ria com o nosso tremendo susto e completava: “O homem do carro saiu em disparada e largou até o carro lá. E o da capa preta empurrou o portão de ferro e entrou no cemitério”.
As histórias do lobisomem deixavam a gente assombrado. A descrição já me assustava: “É um homem com garras de lobo, dentes de lobo e todo coberto de pelos”. Dizem que numa cidade tinha um escrivão que rolava num chiqueiro de porco à meia-noite e dali já saía o lobisomem. Gostava de atacar as pessoas nas encruzilhadas, principalmente em noite de lua cheia. Contavam também que virar lobisomem era castigo divino e a pessoa estava condenada a essa transformação até o fim da sua vida. Eu tinha visto uns desenhos que mostravam ele no mato e tinha medo daqueles dentes enormes. “Meu avô já viu um lobisomem”, dizia um dos meninos, e todo mundo queria saber detalhes do terrível encontro. Diziam que o terrível bicho-homem tinha medo de cruz e de facão.
Imaginava como seria a mula sem cabeça numa noite de lua cheia e me assombrava com a descrição da caipora: uma índia anã com orelhas grandes e cabelos vermelhos. Era descrita ainda como um homem baixo e todo cabeludo que vinha montado num porco do mato. Diziam também que o pessoal lá de cima costuma aparecer de madrugada pra puxar o dedão do pé da gente. É por isso que nunca deixo o pé fora do cobertor. Havia também as histórias do capeta, do sete-pele, o tinhoso, o capiroto, o facho-bode, o pé preto, o dito cujo. Minha mãe, dona Cleonice, tinha sempre uma réstia de alho atrás da porta para afastar o desassuntado, o pai da mentira, o coisa ruim.
Meu tio contava também a história do caminhão que levava um caixão para ir pegar o defunto num povoado vizinho. Na frente iam o motorista, a viúva e o filho do falecido. Na carroceria iam o caixão e o ajudante. Era de noite e começou a chover, aquela chuva fina e cortante, fazendo frio. O ajudante, então, resolveu entrar no caixão pra passar a chuva. Com um pedaço de madeira fez um calço na tampa, pra não morrer sufocado. Mais adiante, cinco pessoas pediram carona e o dono do caminhão disse: “Podem subir na carroceria, tem um caixão lá, mas tá vazio”. Os cinco se aboletaram lá em cima e meia hora depois o que viram foi o caixão abrir e um sujeito perguntar: “A chuva já passou?” Não ficou um em cima do caminhão.
Havia ainda muitas histórias de casa mal-assombrada, onde durante a noite se ouvia vozes, arrastar de correntes (“coisa do tempo dos escravos”), portas e janelas que abriam e fechavam sozinhas, torneira da pia do banheiro que abria sozinha e a lâmpada da cozinha que ficava acendendo e apagando. Tudo isso começava à meia-noite, hora em que Chiquinho acordava e ficava morrendo de medo.