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Avião com Marília Mendonça estava a um minuto do pouso

Aeronave passou por uma "área que todos os pilotos evitam"

Foto: Google Maps

"Aquela é uma área que todos os pilotos evitam voar. A gente não sabe por que ele decidiu ir por ali", comenta Rafael Lacerda, que trabalha há dez anos sobrevoando a área de Caratinga, no interior de Minas Gerais, onde a cantora Marília Mendonça morreu na tarde desta sexta-feira, 5, após a queda do seu avião. No início desta tarde, ele comandava um voo que partiu de Viçosa com destino ao município, aterrissando cinco minutos após a previsão de chegada da tripulação que levava a cantora.

Lacerda conta que usava uma frequência de rádio aberta pouco antes de chegar a Caratinga e conseguiu ouvir o piloto que transportava Marília Mendonça dando as instruções para o pouso. "Ele reportou duas vezes que tinha ingressado na perna do vento, um procedimento que a gente usa para pousar. Só ouvi isso e, depois, mais nada. Aparentemente, o avião não estava em pane", relata.

No fim da tarde, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) confirmou em nota que o avião da cantora atingiu um cabo de uma torre de distribuição da companhia, mas não deixou claro qual seria o papel desse choque para a queda da aeronave. Segundo Lacerda, os fios naquela região costumam atrapalhar o pouso, a ponto de ela ser evitada por quem conhece a área.

Os órgãos aéreos da região já haviam recebido relatos de outros pilotos antes do acidente, nos meses de setembro e agosto, de que os fios elétricos atrapalhariam o pouso no aeródromo de Caratinga. São relatos denominados de Notam (Notificação Aeronáutica) e que indicam dados sobre riscos e alertam outros pilotos que se dirigem à região sobre perigos para operar no local.

"Para nós que estamos acostumados, os fios não chegam a atrapalhar. Mas eles estão em um setor de muita aproximação e com o relevo muito alto, então é uma área que todos os pilotos evitam", relata. "Quando eu pousei, passei por cima do local do acidente e não percebi o avião ali." Lacerda explica ainda que o tempo estava claro, com céu aberto, e o sol em uma posição "que não atrapalhava a visualização dos fios".

"A gente coordenou o pouso com ele, porque aterrissaríamos em um horário muito próximo. Eles estavam a um minuto do pouso", conta Glauco Souza, de 44 anos, que também estava a bordo do avião pilotado por Lacerda. "Só soubemos que ele caiu quando pousamos e vimos que ele não estava no aeroporto. Não ouvimos barulho, não vimos fumaça, sobrevoamos ali e não percebemos."

Destroços sugerem colisão com antena

A Polícia Civil afirmou, em entrevista coletiva na noite desta sexta-feira, que não têm condições de determinar a causa do acidente aéreo, mas encontrou destroços de uma antena de energia elétrica no local da queda da aeronave. "A gente não pode falar sobre a causa do acidente. Há destroços de uma antena que sugere que o avião tenha colidido com essa antena", afirmou Ivan Salles, delegado regional da Polícia Civil de Caratinga.

Os policiais também foram cautelosos em relação à causa da morte dos ocupantes. "Foi um acidente com uma energia de grande impacto, que causou diversos traumas nos ocupantes", diz o médico legista Pedro Fernandes.

Moradores contaram ao jornal Estado de Minas que a aeronave começou a girar, até cair "de bico" na cachoeira. "Primeiro, soltou uma peça do avião, que caiu próximo a casa de um morador do condomínio. Em seguida, o avião começou a girar no ar em formato de parafuso. Bateu de bico na cachoeira. Ouvi um grande estrondo", contou o morador.

O barulho da queda foi "parecido com o de uma forte batida de carro", relatou uma testemunha que mora em um conjunto de casas próximo ao local do acidente.

O que aconteceu?

A pergunta é recorrente quando ocorre um acidente de avião. No entanto, de acordo com o Cenipa-Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos responder a essa indagação só é possível depois de realizada a investigação, que é composta por três fases: coleta de dados, análise dos dados e apresentação dos resultados.

A coleta de dados é a primeira fase da investigação, na qual uma equipe multidisciplinar se desloca até o local da ocorrência com o objetivo de levantar informações para análise.

Dentre os vários materiais coletados, a depender da aeronave, os investigadores podem também lançar mão dos gravadores de voo.

Embora nem todas as aeronaves possuam tais dispositivos, quando presentes, a busca por tais equipamentos se torna um dos objetivos principais da fase de coleta de dados.

O coronel aviador Adriano Barbosa Maia, chefe do Laboratório de Leitura e Análise de Dados de Gravadores de Voo, do Cenipa, destaca a importância da investigação de acidentes aeronáuticos. “O resultado final proporciona recomendações de segurança em forma de lições aprendidas, visando a procedimentos aeronáuticos mais seguros, evitando novas ocorrências semelhantes e impactando na melhoria dos índices de segurança de voo no País, seja na aviação civil ou militar”, afirma.

A investigação da Aeronáutica não aponta culpados nem possui implicações judiciais. Esse trabalho é da autoridade policial. A investigação de acidente aeronáutico, em todo o mundo, é um procedimento paralelo e independente, realizado por órgão especializado e voltado unicamente para a prevenção de novas ocorrências e melhoria da segurança de voo.

Segundo o item “3.1”, Capítulo 3, do Anexo 13 da Convenção de Chicago, “o único objetivo da investigação de acidente será o da prevenção de futuros acidentes” e “o propósito dessa atividade não é determinar culpa ou responsabilidade”.

De acordo com o item “5.4.1”, todo procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade deve ser independente da investigação de acidente aeronáutico.