
Tilly Norwood é um personagem totalmente criado por inteligência artificial -- não existe como pessoa física. Seu “criador” é o estúdio Xicoia, divisão de IA da produtora Particle6, liderada pela holandesa Eline Van der Velden.
No perfil fictício de Tilly (@tillynorwood) ela é descrita como uma aspirante a atriz londrina que gosta de “shopping e café gelado”. Em 30 de julho de 2025, Tilly estrelou seu primeiro trabalho: AI Commissioner, criado com múltiplas ferramentas de IA e roteirizado com auxílio do ChatGPT.
O festival de cinema e mercado de Zurique (Zurich Summit) foi palco de sua apresentação formal em 27 de setembro de 2025, quando foi anunciada como “pronta para ser representada” por agências.
O lançamento provocou forte reação em Hollywood. Atores, sindicatos e especialistas criticaram o projeto por considerar que a iniciativa ameaça o trabalho humano e se apoia em produções artísticas sem consentimento.
Críticos foram duros. Alguns apontaram problemas visuais como sincronismo labial falho e movimentos corporais “meio perturbadores”, gerando a sensação de “vale da estranheza”. O jornal Guardian classificou o trabalho como “tecnicamente competente, mas narrativamente vazio e decepcionante”.
Há ainda críticas de que o rosto de Tilly pode ter sido “composto” a partir de várias figuras humanas reais, gerando alegações de uso não autorizado de semelhanças visuais -- um ponto que toca diretamente em direitos de personalidade.
Tom provocativo
Tilly Norwood foi apresentada ao público como uma “atriz digital” capaz de protagonizar cenas variadas em poucos segundos, de lutas a premiações fictícias. A campanha publicitária apostou em um tom provocativo ao destacar que a personagem realiza, em instantes, tarefas que exigiriam grande versatilidade de um ator humano.
O sindicato SAG-AFTRA, que representa atores, dubladores e profissionais de mídia, classificou a iniciativa como uma apropriação indevida de trabalho criativo. Em nota oficial, declarou que Tilly “não é um ator”, mas “um personagem gerado por computador com base no trabalho de intérpretes reais, sem permissão ou compensação”.
A crítica se apoia em dois pontos centrais: a comparação direta com atores humanos e a ausência de autorização legal para o uso de dados que teriam contribuído para a criação da personagem. Para o presidente do sindicato, Sean Astin, esse tipo de uso da IA “toma algo que não lhe pertence”, ao explorar materiais artísticos sem respeitar os direitos dos criadores.

A criadora de Tilly, Eline Van der Velden, diretora da Particle6 Productions, rebateu as críticas. Segundo ela, trata-se de uma “nova forma de arte”, não de um substituto humano. Van der Velden informou que negocia com representantes da indústria audiovisual e que Tilly deve, em breve, ser vinculada a uma agência.
Segundo ela, Tilly Norwood não foi concebida para substituir atores humanos, mas sim como “uma obra criativa” ou ferramenta artística -- similar ao papel da animação ou CGI no cinema. Ela também declarou intenção de que Tilly chegue ao nível de estrelas como Scarlett Johansson ou Natalie Portman.
Outra declaração impactante é a de que o uso de Tilly poderia reduzir custos de produção em até 90% -- embora isso seja contestado por críticos que lembram que a infraestrutura de IA, treinamentos e licenciamento também têm custos elevados.
Muitos artistas se manifestaram contra a personagem. Alguns sugeriram boicotar qualquer empresa que venha a representar Tilly. Especialistas também levantaram dúvidas sobre o potencial de sucesso de figuras sintéticas no mercado, argumentando que a conexão com o público ainda depende da construção de base de fãs -- algo que atores humanos cultivam ao longo do tempo.
A controvérsia reacendeu preocupações que marcaram a greve de atores em 2023, motivada justamente pelo uso de IA nas produções audiovisuais. O movimento, que resultou em novas regras para proteger o trabalho artístico, teve como uma de suas principais bandeiras a exigência de consentimento para o uso de imagem, voz e estilo dos profissionais pela tecnologia.
Desafios legais e éticos
Direitos de imagem e personalidade: if partes do rosto ou expressões de Tilly foram construídas por meio de dados visuais ou artísticos de atores reais, surgem questões de uso sem consentimento.
Autenticidade e experiência humana: muitos sustêm que um ator de carne e osso carrega bagagem emocional, vivência e intuição -- elementos difíceis de reproduzir por IA.
Impacto no mercado de trabalho artístico: a adoção indiscriminada de atores IA pode reduzir oportunidades, especialmente para talentos emergentes.
Transparência e regulamentação: a indústria e os sindicatos debatem quais salvaguardas implementar para que o uso de IA em entretenimento seja ético e respeite direitos dos criativos humanos.