Cinema

Atriz gerada por inteligência artificial assusta Hollywood

Atores, dubladores e profissionais de mídia protestam

Foto: Instagram | Reprodução
Tilly Norwood: a "atriz" de IA que provoca rebuliço em Hollywood
Leia Mais Rápido
A personagem digital Tilly Norwood, criada por inteligência artificial, gerou polêmica em Hollywood. Atores e sindicatos apontam para um uso indevido de trabalhos artísticos sem permissão. A criadora defende a iniciativa como uma nova forma de arte. O caso reacende temores sobre o impacto da IA no setor audiovisual.

Tilly Norwood é um personagem totalmente criado por inteligência artificial -- não existe como pessoa física. Seu “criador” é o estúdio Xicoia, divisão de IA da produtora Particle6, liderada pela holandesa Eline Van der Velden. 

No perfil fictício de Tilly (@tillynorwood) ela é descrita como uma aspirante a atriz londrina que gosta de “shopping e café gelado”. Em 30 de julho de 2025, Tilly estrelou seu primeiro trabalho:  AI Commissioner, criado com múltiplas ferramentas de IA e roteirizado com auxílio do ChatGPT.

O festival de cinema e mercado de Zurique (Zurich Summit) foi palco de sua apresentação formal em 27 de setembro de 2025, quando foi anunciada como “pronta para ser representada” por agências. 

O lançamento provocou forte reação em Hollywood. Atores, sindicatos e especialistas criticaram o projeto por considerar que a iniciativa ameaça o trabalho humano e se apoia em produções artísticas sem consentimento.

Críticos foram duros. Alguns apontaram problemas visuais como sincronismo labial falho e movimentos corporais “meio perturbadores”, gerando a sensação de “vale da estranheza”. O jornal Guardian classificou o trabalho como “tecnicamente competente, mas narrativamente vazio e decepcionante”.

Há ainda críticas de que o rosto de Tilly pode ter sido “composto” a partir de várias figuras humanas reais, gerando alegações de uso não autorizado de semelhanças visuais -- um ponto que toca diretamente em direitos de personalidade.

Tom provocativo

Tilly Norwood foi apresentada ao público como uma “atriz digital” capaz de protagonizar cenas variadas em poucos segundos, de lutas a premiações fictícias. A campanha publicitária apostou em um tom provocativo ao destacar que a personagem realiza, em instantes, tarefas que exigiriam grande versatilidade de um ator humano.

O sindicato SAG-AFTRA, que representa atores, dubladores e profissionais de mídia, classificou a iniciativa como uma apropriação indevida de trabalho criativo. Em nota oficial, declarou que Tilly “não é um ator”, mas “um personagem gerado por computador com base no trabalho de intérpretes reais, sem permissão ou compensação”.

A crítica se apoia em dois pontos centrais: a comparação direta com atores humanos e a ausência de autorização legal para o uso de dados que teriam contribuído para a criação da personagem. Para o presidente do sindicato, Sean Astin, esse tipo de uso da IA “toma algo que não lhe pertence”, ao explorar materiais artísticos sem respeitar os direitos dos criadores.

"Atuação" da "atriz" Tilly Norwood em filme de época
Foto: Instagram | Reprodução

A criadora de Tilly, Eline Van der Velden, diretora da Particle6 Productions, rebateu as críticas. Segundo ela, trata-se de uma “nova forma de arte”, não de um substituto humano. Van der Velden informou que negocia com representantes da indústria audiovisual e que Tilly deve, em breve, ser vinculada a uma agência.

Segundo ela, Tilly Norwood não foi concebida para substituir atores humanos, mas sim como “uma obra criativa” ou ferramenta artística -- similar ao papel da animação ou CGI no cinema. Ela também declarou intenção de que Tilly chegue ao nível de estrelas como Scarlett Johansson ou Natalie Portman. 

Outra declaração impactante é a de que o uso de Tilly poderia reduzir custos de produção em até 90% -- embora isso seja contestado por críticos que lembram que a infraestrutura de IA, treinamentos e licenciamento também têm custos elevados.

Muitos artistas se manifestaram contra a personagem. Alguns sugeriram boicotar qualquer empresa que venha a representar Tilly. Especialistas também levantaram dúvidas sobre o potencial de sucesso de figuras sintéticas no mercado, argumentando que a conexão com o público ainda depende da construção de base de fãs -- algo que atores humanos cultivam ao longo do tempo.

A controvérsia reacendeu preocupações que marcaram a greve de atores em 2023, motivada justamente pelo uso de IA nas produções audiovisuais. O movimento, que resultou em novas regras para proteger o trabalho artístico, teve como uma de suas principais bandeiras a exigência de consentimento para o uso de imagem, voz e estilo dos profissionais pela tecnologia.

Desafios legais e éticos

Direitos de imagem e personalidade: if partes do rosto ou expressões de Tilly foram construídas por meio de dados visuais ou artísticos de atores reais, surgem questões de uso sem consentimento. 

Autenticidade e experiência humana: muitos sustêm que um ator de carne e osso carrega bagagem emocional, vivência e intuição -- elementos difíceis de reproduzir por IA. 

Impacto no mercado de trabalho artístico: a adoção indiscriminada de atores IA pode reduzir oportunidades, especialmente para talentos emergentes. 

Transparência e regulamentação: a indústria e os sindicatos debatem quais salvaguardas implementar para que o uso de IA em entretenimento seja ético e respeite direitos dos criativos humanos.