
O Brasil deve conviver com juros elevados por pelo menos mais dois anos. O diagnóstico é do economista e analista de mercado da Orsitec, João Victor da Silva, que enxerga na fragilidade fiscal brasileira o principal entrave para uma trajetória de cortes consistentes da Selic. “Na minha avaliação, a política monetária no Brasil só será eficaz quando se solucionar a questão fiscal. Enquanto o governo não adotar regras críveis e sustentáveis, os juros continuarão elevados, travando investimentos e crescimento”, afirma.
Na semana passada, o Banco Central decidiu, de forma unânime, manter a Selic em 15% ao ano, maior patamar desde 2006. A ata do encontro, divulgada na terça-feira (23 de setembro), destacou que o Copom - Comitê de Política Monetária opta por manter a taxa inalterada por um período prolongado para avaliar se a estratégia será suficiente para trazer a inflação à meta.
Fiscal no centro do problema
Para João Victor, o peso da política fiscal na dinâmica da inflação é incontornável. “A inflação não é apenas um fenômeno monetário, como dizia Milton Friedman (economista e estatístico americano falecido em 2006). Hoje, economistas como Thomas Sargent e John Cochrane mostram que os gastos do governo, quando descontrolados, afetam as expectativas, pressionam a moeda e empurram os preços para cima. É por isso que, sem disciplina fiscal, os juros no Brasil tendem a permanecer em patamar elevado”, afirma.
Segundo João Victor, o país vive atualmente um cenário de déficits gêmeos — externo e fiscal. “É um quadro perigoso que já enfrentamos em governos passados. O crescimento atual não é sustentável: vem do estímulo fiscal, mas sem aumento da produtividade. Indústrias operam sem capacidade ociosa, e a expansão da demanda resulta em mais importações, não em crescimento estrutural.”
O resultado é um ambiente econômico asfixiante. “Com inflação em torno de 5% e Selic de 15%, temos juros reais de aproximadamente 10% ao ano — os mais altos do mundo. Isso já provoca recorde de pedidos de recuperação judicial, aumento do endividamento das famílias e redução de novos investimentos produtivos. Afinal, quem vai arriscar na economia real se pode aplicar em títulos públicos seguros rendendo quase 15% ao ano?”, questiona o economista.
Setores como construção civil e habitação já dão sinais de desaceleração, o que, segundo João Victor, antecipa um ciclo de fragilidade econômica. “É o retrato de um país que asfixia sua própria capacidade de crescer.”
Ano eleitoral e adiamento da crise
A perspectiva, diz João Victor, é de agravamento. “Em 2026, o governo deve usar todos os instrumentos disponíveis para evitar uma recessão em pleno ano eleitoral. Mas isso apenas adiará o problema. A conta virá em 2027, quando o próximo governo terá a missão de reverter déficits, recuperar credibilidade fiscal e atacar a baixa produtividade da economia brasileira.”
João Victor considera que a trajetória atual repete erros do passado. “Estamos num déjà-vu do período quando déficits gêmeos corroeram a confiança. A diferença é que agora partimos de uma taxa de juros ainda mais alta.”
Apesar do tom crítico, o economista vê possibilidade de mudança de rota. “O recado é simples: se houver seriedade fiscal, o Brasil pode novamente reduzir juros de forma sustentável, atrair investimentos e retomar o crescimento. Mas, sem essa mudança, continuaremos convivendo com juros em patamar elevado e inflação teimosa, distante da meta”, conclui.