Opinião

Crescimento tecnológico acelerado no Sudeste Asiático visto do Brasil

No primeiro semestre de 2024, os membros da ASEAN exportaram US$ 67,2 bilhões para os EUA e 57 bilhões para a China


Foto: Pixabay/Creative Commons

O sudeste asiático é, neste momento, a região do mundo com maior crescimento percentual em certos níveis da produção de semicondutores. Só Cingapura contribui com cerca de 11% e a vizinha Malásia 7%. Acrescentando outros países membros da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), é provável que tenham atingido 25%, ou estejam a um passo desse número.  Vietnam e Indonésia estão bem posicionados.

O estado malaio de Penang, a fronteira do Vietnam com a China e a cidade-Estado de Cingapura, são três polos hoje essenciais para abastecimento deste ramo central nos confrontos geoeconômicos e geopolíticos, pelo controle da inovação tecnológica. Não só os respectivos países possuem mão de obra barata com bom grau de especialização (muito mais barata até que a chinesa) como atraem poderosos investimentos japoneses, sul-coreanos, taiuaneses, chineses, norte-americanos e alemães.

Peças para máquinas, produção e corte dos “waffers” (placas de onde sairão os semicondutores), testes, bem como os próprios semicondutores em vários graus de potência, podendo chegar aos mais altos. Além das grandes e médias indústrias já instaladas naqueles polos, por toda a região existe uma vaga de startups criativas.

Na verdade, o conjunto da Asean aproveita a luta sino-norte-americana.

No primeiro semestre de 2024, os membros da ASEAN exportaram 67,2 bilhões de dólares para os EUA e 57 bilhões para a China.

A China sente o potencial da região e, sobretudo, sua capacidade de se tornar alternativa para o ocidente, em caso de aumento das tensões Washington-Pequim. Daí estar investindo na área, em sub-tratamento ou tratamento adicional de chips e  na produção de carros elétricos, principalmente através das conhecidas BYD e GWM. Sobre o investimento direto estrangeiro na área, a China estava em primeira posição, ano passado, acima da soma Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão.

As empresas dos Estados Unidos, por seu lado, mantêm agora uma linha de atuação, consistindo em manter investimentos na China, voltados para o vasto mercado interno desta, mas investindo no conjunto ASEAN, para as trocas internacionais e seu próprio abastecimento. Google, por exemplo, tem intenções de aplicar na Malásia cerca de dez bilhões de dólares até 2030.

Produtores da ASEAN, importam materiais chineses, acrescentando-lhes algum tipo de valor e reexportam para os EUA, contornando a elevação das taxas norte-americanas ao made in China. Se o valor acrescentando for substancial, Washington não levanta objeções, porém, têm apresentado reclamações contra aportes mínimos, sendo provável que, no curto prazo, venha a estender a esses produtos taxas aplicadas à China. Ou seja, para evitar tal risco, a tendência será, precisamente subir o nível de inputs locais.

A proximidade com o Japão e Coreia do Sul favorece, ao mesmo tempo, a competitividade da ASEAN e as vantagens em exportação para estes dois países.

A mão de obra disponível com baixos pagamentos, obviamente não é “eternizável” nem desejável, pois, tal como no Brasil, impede tanto a ampliação do mercado interno, como reforço da produtividade.  Estamos aqui, de novo, perante formulações feitas pelo economista caribenho, prêmio Nobel dos anos 1970, quanto às vantagens no desencadear do processo. Na continuidade, a massa salarial tem de evoluir. Assim, dois outros aspectos se impõem à produção do Sudeste Asiático, como já fizeram a Coreia do Sul e Cingapura: aumento do poder aquisitivo e investimento na educação. O Vietnam – onde os salários são os mais baixos do bloco – anunciou plano de formar 50 mil engenheiros de semicondutores até 2030. Problema adicional do Vietnam é a instabilidade no fornecimento de energia elétrica e a burocracia decorrente do sistema político autoritário.

Se os planos norte-americanos, de criar autonomia em toda a cadeia de semi-condutores e inteligência artificial, diminuirão oportunidades de exportação para o mercado estadounidense, dois detalhes parecem substituir os efeitos de tal eventualidade. Por um lado, a demanda mundial desses produtos não tem redução no horizonte, por outro lado, ao mesmo tempo que Washington anuncia financiamento público da ordem dos 39 bilhões de dólares para iniciativas no seu próprio solo, promete 500 milhões de dólares em cinco anos a fim de “diversificar e reforçar a cadeia de valor mundial dos semi condutores em países aliados”, conforme citação do diário francês “Le Monde”, datado de 25 de junho deste ano.

A OCDE, por sua vez, assinala que seus membros em 2023, investiram nos países da Asean 29,5 bilhões de dólares US e 13,6 na China, ilustrando provavelmente a atrás mencionada dupla orientação:  abrir nova fonte para o mercado mundial, sem abandonar o mercado chinês.

Tudo isto não é uma aposta. É o seguimento de uma via, bem determinada pelo que é condutor econômico atual e responde às ameaças geopolíticas. A primeira administração de Bill Clinton relançou a economia norte-americana através da inovação tecnológica, otimizando condições de base para Sillicon Valey com efeitos até hoje. Raciocínio conduzido em larga medida pela assessoria da professora Laura Tyson, conduzido depois em várias partes do mundo e ignorado, ou em passo tão lento em outras, a ponto de caírem na insignificância.

A China, Índia e Sudeste Asiático querem chegar ao topo, a Europa corre atrás do tempo para recuperar o atraso, África e América Latina observam.

A ASEAN avança, portanto, num item determinante para o ritmo de desenvolvimento seguro. Mas não faz só isso. A Indonésia, detentora de um PIB nominal muito próximo do Brasil, além de grande produtora de petróleo progride no agro-industrial. O Vietnam já está no ranking de grandes produtores de café. Cingapura mantem sua posição de grande praça financeira. São só exemplos rápidos e importantes para o Brasil, antes de mais no sentido de aproximação com esse bloco, ao mesmo tempo demonstrando, se ainda fosse necessário, a existência de prioridades simultâneas em economia.  

Na inovação tecnológica, a diferença na perspectiva brasileira é que enquanto Malásia e Cingapura jogam no mercado mundial, o Brasil teria de pensar durante algum tempo no seu vasto mercado interno. Teria não, tem. De contrário, haverá faltas no mercado ou teremos abastecimento sob custos de importação (que não são apenas financeiros).

Frases soltas, por vezes ouvidas, de que aumentar a produção de semicondutores, painéis solares ou mesmo exploração do potencial nuclear, são inviáveis no Brasil, fazem lembrar que, décadas atrás, o mesmo era dito sobre o petróleo.

Nestes termos, o desenvolvimento seguro implica prosseguir a modernização da cadeia agro-industrial, dos serviços financeiros, produção automobilística, recursos energéticos, etc. e não ficar fora da corrida IT.

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Jonuel Gonçalves é pesquisador associado no NEA/INEST da UFF (Niterói),ex-professor visitante da Uneb (Salvador) e está à frente do Blog do Jonuel