Hoje daremos continuidade à análise das três praças antigas, Municipal, Terreiro de Jesus e Piedade, entre o final do século XIX e o início do século XX, quando houve a transformação das praças em espaços como conhecemos hoje: com jardins, bancos, calçamento e iluminação.
Essas praças eram as principais da cidade alta. Não havia outra com tamanha importância, apenas largos e campos abertos, como o Campo Grande, lugar de descanso e movimentação de tropas, de lavagem de roupa pelas escravas de ganho ou, até, pelas mulheres pobres livres ou libertas, também o lugar de se recolher lenha, pastorear animais de pequeno porte, buscar água nas diversas nascentes e minadouros.
O avanço tecnológico, principalmente dos meios de transporte, impulsionou essas melhorias, quando se buscavamudar a feição da cidade colonial para uma cidade moderna, pautada nos costumes cosmopolitas difundidos pelos estrangeiros que vieram para cá após a ascensão de Napoleão Bonaparte.
Só para lembrar, a Missão Francesa de 1816 trouxe artistas e arquitetos e influenciou as artes e a arquitetura no Brasil. A presença grande de ingleses também foi fundamental para as mudanças dos costumes. Instalados na parte sul da cidade, na Vitória, Ladeira da Barra, Graça e Canela, seus sobrados e palacetes foram construídos com materiais fabricados na Inglaterra, seus trajes estampavam a moda atualizada e seus gostos e costumes contrastavam com a sociedade recém-saída da posição de país colonizado.
Mudamos também de status! Deixamos de ser colônia para nos tornar um Império. E, depois, tornamo-nos República Federativa, um século rico em mudanças políticas e de costumes também.
Para as cidades brasileiras, carentes de infraestrutura, o avanço tecnológico foi fundamental para a mudança dos usos dos espaços. Era o período da instalação dos bondes sobre trilhos e da construção das primeiras linhas de trem.
Em Salvador, a Praça Municipal recebeu um equipamento de ponta: o Elevador Hidráulico da Conceição. O comendador Antônio de Lacerda foi o responsável pelo plano e pela construção do primeiro elevador público para uso coletivo, o nosso Elevador Lacerda. E mais: era articulado com as linhas de bonde, tanto da cidade alta quanto da cidade baixa. A Praça Municipal aformoseou-se, então, para receber os avanços tecnológicos, com calçamento, balaustrada com estátuas de mármore e luminárias, e, também, os trilhos dos bondes.
Praça Municipal com o Elevador da Conceição, 1878 - Fonte: SAMPAIO, 2005, p. 187
A ideia era ligar a cidade nos seus extremos com o centro administrativo, e pretendia-se trazer o bonde do Largo da Vitória até a Praça Municipal. Na cidade baixa, o bonde viria do Bonfim até a Praça Visconde de Cairu.
Essa articulação era uma necessidade premente, pois a cidade já havia se expandido em vários bairros distantes do centro antigo, mas a circulação ainda não se estruturara. Contudo, ingressaríamos no século XX ainda com dificuldades graves de circulação e articulação entre os bairros (será que isso mudou muito?).
O Terreiro de Jesus demorou a tomar uma feição mais organizada, com calçamento, passeios, como estamos acostumados a ver nas praças. Em 1862, apesar da arborização, ainda não tinha calçamento e o gramado servia para estender roupas para quarar. Isto se devia pela ocupação residencial da praça, diferentemente do que existia na Praça Municipal, rodeada de prédios públicos.
Terreiro de Jesus, 1862 - Fonte: Guia Geográfico Cidade do Salvador
Apesar de não ser diretamente ligado ao Terreiro de Jesus, o famoso Charriot, mais conhecido como Plano Inclinado Gonçalves, foi inaugurado em 1889, outra peça importante para a ligação entre a cidade baixa e a cidade alta, instalado onde outrora ficava um guindaste da Companhia de Jesus, ao lado da Catedral Basílica.
Plano Inclinado Gonçalves, cerca de 1889 - Fonte: SAMPAIO, 2005, p. 202
Apenas no final do século XIX, início do XX, é que o Terreiro de Jesus, rebatizado de Praça 15 de novembro, teve a urbanização completa. No entanto era uma praça fechada, cercada por grades e portões, um pequeno coreto e iluminação pública.
Terreiro de Jesus, Lindemann, 1902 - Fonte: http://www.salvador-antiga.com/terreiro/antigas.htm
Assim como o Terreiro de Jesus, a Praça da Piedade era limitada por sobrados residenciais e também demorou a receber um tratamento urbanístico. No final do século XIX se configurava como um largo terreiro, sem pavimentação, ornado apenas pelo belíssimo chafariz no qual os escravos se reuniam para recolher água. As linhas de bonde por ela passavam rumo ao Campo Grande e à Praça Municipal.
Além do Convento dos Capuchinhos e da Igreja da Piedade, havia o prédio do Senado da Bahia. A imagem seguinte, que deve datar do início do século XX, mostra o prédio do Senado antes da demolição de parte dele para a construção da Avenida Sete de Setembro. Vê-se, também, que a Praça da Piedade está cercada com grades e portões e arborizada.
Praça da Piedade, c. 1902 - Fonte: http://www.salvador-antiga.com/piedade/senado-piedade.htm
Pouco tempo a praça ficou cercada, pois, após a abertura da Avenida Sete de Setembro, obra que ocorreu na primeira década do século XX, ela já aparecia aberta, com o prédio do Senado da Bahia sem a ala esquerda.
Praça da Piedade, cerca de 1930 - Fonte: http://www.salvador-antiga.com/piedade/senado-piedade.htm
Apesar de ser a menor das praças que analisamos, a Piedade, por sua localização, tornou-se um ponto de ligação importante entre a cidade antiga e a expansão dos novos bairros. Tanto o Terreiro de Jesus como a Praça Municipal tornaram-se periféricos, mas a Piedade, com o avanço dos meios de transporte, tornou-se central.
***
Para saber mais
SAMPAIO, C. N. 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX. Rio de Janeiro: Versal, 2005.
REBOUÇAS, D.; OBERLAENDER, F.; FARIAS, J. B. A cidade da Bahia e a eletricidade. Salvador: EPP Publicações e Publicidade, 2018.