Alberto Oliveira

Os riscos de anular a intervenção feita pelo BC no Banco Master

A anulação de uma intervenção do Banco Central não é um ato neutro nem restrito a um caso específico


Ilustração
: GPT Imagens IA

De uns dias a essa parte tem circulado entre veículos da imprensa a possibilidade de uma determinação judicial obrigando o Banco Central a anular a intervenção realizada no Banco Master. Trata-se de um movimento que envolve um risco elevado, com consequências que ultrapassam amplamente os limites da instituição diretamente envolvida e alcançam todo o sistema financeiro.

O maior risco de todos é o de uma corrida de depositantes e investidores em busca de retirada do capital ali depositado, com potencial para se alastrar por todo o sistema bancário, com graves consequências para a economia como um todo.

O depositante médio não interpreta a anulação como uma garantia de solidez, mas como a confirmação de que existe um conflito relevante em torno da real situação do banco.

O primeiro mecanismo que pode desencadear a corrida por saques é a assimetria de informações. Os depositantes não têm acesso aos dados técnicos que embasaram a intervenção nem aos motivos detalhados de sua anulação. Diante dessa lacuna informacional, o comportamento racional passa a ser defensivo. Cada depositante tende a pensar que, se há controvérsia institucional sobre a saúde do banco, o mais seguro é retirar seus recursos o quanto antes. Trata-se de uma decisão individualmente racional, ainda que coletivamente destrutiva.

Em seguida, atua o chamado efeito de coordenação negativa. Corridas bancárias não exigem que todos os depositantes acreditem que o banco irá quebrar. Basta que cada um acredite que os outros podem sacar. Uma vez iniciado o movimento de saques, mesmo em pequena escala, ele tende a se autoalimentar rapidamente.

Bancos operam com reservas fracionárias, ou seja, não mantêm liquidez imediata suficiente para honrar todos os depósitos simultaneamente. Uma corrida por saques, ainda que baseada apenas em percepção e não em insolvência real, pode transformar um problema reputacional ou jurídico em uma crise efetiva de liquidez. A anulação da intervenção aumenta justamente a probabilidade desse gatilho psicológico.

Há também um impacto relevante sobre depositantes corporativos e investidores institucionais, que costumam reagir de forma mais rápida e volumosa do que pessoas físicas. Esses agentes monitoram sinais regulatórios com maior sofisticação e tendem a retirar recursos preventivamente ao menor indício de fragilidade institucional. A saída desses grandes volumes pode acelerar drasticamente a dinâmica da corrida, tornando-a visível ao público em geral e ampliando o pânico.

Além disso, a anulação pode gerar dúvidas sobre a capacidade futura de atuação do regulador. Se o mercado passa a acreditar que decisões do Banco Central podem ser revertidas, a confiança no seu papel como emprestador de última instância e supervisor prudencial é reduzida. Essa perda de credibilidade amplia a percepção de risco sistêmico e reforça a lógica de retirada antecipada de depósitos, mesmo em bancos não diretamente envolvidos.

Por fim, o risco de corrida por saques não se limita à instituição específica. Ele pode se espalhar por contágio reputacional, especialmente em bancos de perfil semelhante, de menor porte ou com estruturas de capital comparáveis. A anulação da intervenção cria um precedente que fragiliza todo o arcabouço de supervisão, levando depositantes a reavaliar a segurança do sistema como um todo.

Corre-se o risco, também, de uma erosão da credibilidade do Banco Central como autoridade monetária e regulador prudencial. A atuação do BC baseia-se em critérios técnicos, informações confidenciais e avaliações especializadas que não são plenamente observáveis pelo público em geral.

Quando uma intervenção é anulada, especialmente por instâncias externas ao sistema regulatório, transmite-se ao mercado a mensagem de que decisões técnicas podem ser revertidas por pressões políticas, econômicas ou judiciais. Isso fragiliza a autonomia institucional do Banco Central e reduz a previsibilidade das regras do jogo, aumentando a percepção de risco regulatório.

Como consequência, investidores e instituições financeiras passam a exigir prêmios de risco mais elevados, encarecendo o crédito e reduzindo a eficiência do sistema financeiro.

Ao sinalizar que medidas prudenciais severas podem ser revertidas, cria-se um incentivo perverso para gestores e controladores assumirem riscos excessivos, na expectativa de que eventuais problemas possam ser resolvidos posteriormente por decisões favoráveis.

Esse comportamento enfraquece a disciplina de mercado e compromete os mecanismos de governança corporativa, estimulando práticas imprudentes de alavancagem, concessão de crédito e gestão de riscos.

Em última instância, o custo dessas decisões tende a ser transferido para a coletividade, seja por meio de perdas sistêmicas, seja pelo acionamento de mecanismos públicos ou paraestatais de proteção.

Há ainda riscos diretos para depositantes e investidores. Embora a anulação de uma intervenção possa ser defendida como uma forma de preservar direitos de acionistas ou administradores, na prática ela pode aumentar as perdas potenciais de depositantes não integralmente cobertos por mecanismos de garantia, além de elevar a exposição do Fundo Garantidor de Créditos.

Intervenções precoces costumam reduzir o custo total de uma crise bancária, pois permitem uma reorganização ordenada da instituição. Ao revertê-las, adia-se o enfrentamento do problema, frequentemente resultando em uma deterioração maior do patrimônio do banco e em soluções futuras mais onerosas.

Do ponto de vista jurídico e regulatório, a reversão de uma intervenção cria um precedente preocupante. A supervisão bancária exige rapidez, sigilo e discricionariedade técnica. Quando decisões dessa natureza passam a ser sistematicamente questionadas e anuladas, abre-se espaço para uma judicialização excessiva da regulação financeira.

Isso gera insegurança jurídica, dificulta a atuação preventiva do regulador e incentiva comportamentos estratégicos por parte de instituições que passam a testar os limites do sistema, apostando na reversão de sanções ou medidas corretivas.

Há, por fim, impactos macroeconômicos indiretos. A fragilização da confiança no sistema bancário reduz a oferta de crédito, eleva o custo de captação das instituições financeiras e afeta negativamente o investimento produtivo. Em cenários mais agudos, pode inclusive impor constrangimentos adicionais à política monetária, forçando o Banco Central a atuar de maneira defensiva para conter instabilidades financeiras, em detrimento de seus objetivos de controle inflacionário.

Em economias emergentes, esses efeitos tendem a ser ainda mais intensos, dada a maior sensibilidade dos fluxos de capital à percepção de risco institucional.

Em síntese, a anulação de uma intervenção do Banco Central não é um ato neutro nem restrito a um caso específico. Trata-se de uma decisão com potencial de amplificar riscos sistêmicos, enfraquecer a autoridade regulatória, estimular comportamentos imprudentes e aumentar os custos econômicos de crises futuras.

Do ponto de vista econômico, regulatório e institucional, os riscos associados a essa reversão superam, de forma consistente, quaisquer benefícios de curto prazo que possam ser alegados.