O anúncio dos vencedores do Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa aconteceu pela primeira vez em um país de língua portuguesa do continente africano. Uma comitiva do prêmio foi a Moçambique para esse evento que encerrou uma programação literária de dois dias com escritores de Brasil, Moçambique e Portugal. Ela foi formada pela gestora cultural e coordenadora do Oceanos Selma Caetano, a jornalista e curadora portuguesa Isabel Lucas e o escritor timorense Luís Cardoso, vencedor do Oceanos 2021 (veja mais abaixo os três vencedores daquela edição).
A cerimônia de anúncio aconteceu no Centro Cultural Brasil-Moçambique e foi transmitida ao vivo pelo site do Itaú Cultural e pelo canal do Oceanos no YouTube. Eram 15h30 na África oriental; 13h30 em Portugal e 10h30 no Brasil.
O Oceanos é realizado em três etapas de votação até chegar aos vencedores. Ao todo, foram 7.881 leituras realizadas pelos três júris que se sucederam na seleção de semifinalistas, finalistas e vencedores. O valor total da premiação é de R$ 250 mil, sendo R$ 120 mil para o primeiro colocado, R$ 80 mil para o segundo e R$ 50 mil para o terceiro.
Participaram do júri final, que leu e avaliou os 10 livros finalistas para escolher os três vencedores, os brasileiros Cristhiano Aguiar, Guilherme Gontijo Flores, Joselia Aguiar e Júlia de Carvalho Hansen; o moçambicano Artur Bernardo Minzo; e as portuguesas Ana Cristina Leonardo e Helena Vasconcelos.
“Temos vencedores de países de língua portuguesa em três continentes, o que dá a ampla dimensão do que significa esta premiação para a produção que nos une e abre horizontes por meio das múltiplas culturas e de cada fazer literário”, diz Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, que congrega o Itaú Cultural, apoiador ativo do Oceanos, o Itaú Social e o Instituto Itaú pela Educação. “É um caminho sem volta para incrementar nosso intercâmbio independentemente da geografia que nos afasta já que o idioma nos junta”, conclui ele.
Sobre as obras vencedoras
Líbano, labirinto
De Alexandra Lucas Coelho, Portugal
O livro da escritora portuguesa, publicado em Portugal pela Editorial Caminho, ficou em primeiro lugar. Essa é a primeira obra de não ficção a vencer o Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa.
Para Manuel da Costa Pinto, curador do Oceanos para o Brasil, a premiação desse livro tem, para além do reconhecimento de sua força literária, um grande significado simbólico para o Oceanos: pela primeira vez, o prêmio é atribuído a um livro inscrito na categoria ‘crônica’. “Alinhavando histórias individuais e coletivas desse país tão ancestral quanto conflagrado, o livro associa o olhar cirúrgico sobre a realidade social e política a uma sensibilidade que a todo tempo interroga a própria experiência, dentro da tradição que leva do ensaio (em sua acepção original) à crônica contemporânea, passando pela linhagem dos grandes cronistas históricos portugueses, que fizeram da viagem o mote para flagrar o espanto diante da alteridade”, observa ele.
“Nessa coleção de pequenas histórias de viventes no Líbano, a autora constrói um livro poderoso sobre os afetos e a guerra, a angústia e a esperança. A obra combina e atualiza gêneros de tradição: a crônica, a grande reportagem, a narrativa de guerra, o testemunho e a memória”, diz Joselia Aguiar, jornalista e curadora literária que fez parte do júri que elegeu a obra.
Museu da Revolução
De João Paulo Borges Coelho, Moçambique
O romance do escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho, publicado em Portugal também pela Editorial Caminho e no Brasil pela Kapulana, conquistou o segundo lugar. É a segunda vez na história do Oceanos que um livro moçambicano se classifica entre os vencedores – na edição de 2018, o livro de poemas O deus restante, de Luís Carlos Patraquim, ficou entre os premiados.
Artur Bernardo Minzo, professor moçambicano que também compôs o júri final do Oceanos, destacou no romance a abordagem crítica das funções dos museus, da memória das pessoas e dos próprios livros como “utensílios” de construção das identidades nacional e universal. “Museu da Revolução esgravata as diferentes formas de (in)compreensão sobre as ‘guerras’ do projeto humano sempre inconcluso, destacando-se a guerra suprema pela vida e os ‘subconjuntos’ correlacionados: a guerra colonial em si, a guerra de tropas contra tropas inimigas, a guerra de países e suas ideologias antagônicas, a guerra de desejo de soldados contra o corpo de mulheres desprotegidas”, diz ele. “Mas, sobretudo, é a metáfora assombrosa da desqualificada e repugnante negação de valores como a vida, o amor, a paz, amizade, a verdade e a razão”, conclui.
O som do rugido da onça
De Micheliny Verunschk, Brasil
Na terceira posição, ficou o romance da brasileira Micheliny Verunschk, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. A obra venceu também o Prêmio Jabuti na categoria Romance Literário.
De acordo com a poeta brasileira Júlia de Carvalho Hansen, também integrante do júri do Oceanos, O som do rugido da onça é um acontecimento literário raro. “O livro transforma os tempos passado e futuro, criando um romance histórico que é também contemporâneo”, afirma. “Embora apresente parentescos com autores como Guimarães Rosa ou Mia Couto, enquanto apreende perspectivas de conhecimentos e mitos ameríndios, a escrita desse romance de Micheliny se faz única, reinventando com sofisticação e alegria a língua portuguesa”, continua a poeta para concluir: “além da rica originalidade textual, sua narrativa transporta e utiliza dentro da ficção questões urgentes aos debates contemporâneos: sejam elas ligadas à decolonialidade; ao reconhecimento da potência dos saberes da floresta ou mesmo da necessidade tão sutil como firme de operar a literatura através de posturas feministas.”
Sobre os autores premiados
Alexandra Lucas Coelho
Nasceu em Lisboa, Portugal, em 1967. Tem 14 livros publicados, entre ficção, não ficção e infantojuvenis. Trabalhou por cerca de 30 anos como repórter, cronista e editora, na rádio e na imprensa. Recebeu vários prêmios de jornalismo e de literatura. Em 2012, recebeu o Grande Prêmio da Associação Portuguesa de Escritores (APE) pelo seu romance de estreia, E a noite roda.
João Paulo Borges Coelho
Nasceu no Porto, Portugal, em 1967, e naturalizou-se moçambicano. É escritor, historiador e professor da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Publicou 13 livros, entre os quais destacam-se As visitas do Dr. Valdez, vencedor do Prémio José Craveirinha, e O olho de Hertzog, vencedor do Prémio LeYa.
Micheliny Verunschk
Nasceu em Recife, Pernambuco, em 1972. Escritora e historiadora, é também mestre em Literatura e Crítica Literária e doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica – PUC São Paulo. Publicou 10 livros, entre poesia e prosa, como Geografia íntima do deserto, Nossa Teresa – Vida e morte de uma santa suicida, que venceu o Prêmio São Paulo de Literatura, e O movimento dos pássaros.
Histórico do Prêmio Oceanos 2022
Concorreram à edição 2022 do Oceanos 2.452 obras escritas por autores de 17 diferentes nacionalidades e publicadas em sete países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Estados Unidos, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal.
Neste ano, houve crescimento de 34% no número de obras inscritas em relação à edição anterior: 621 livros a mais que os 1.831 concorrentes ao Oceanos 2021. Apenas do continente africano, o aumento foi de 121% no número de escritores participantes. Foram inscritos 62 livros de autores nascidos em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, todos escrevendo e publicando originalmente em língua portuguesa.
Curadoria e coordenação
Participam da curadoria do Oceanos 2022 o moçambicano Nataniel Ngomane, professor da Universidade Eduardo Mondlane e presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, os jornalistas Isabel Lucas, de Portugal, e Manuel da Costa Pinto, do Brasil, e a pesquisadora Matilde Santos, de Cabo Verde, que também é curadora da Biblioteca Nacional do país. A coordenação-geral fica a cargo da gestora cultural luso-brasileira Selma Caetano.
Parcerias
O Oceanos é realizado via Lei de Incentivo à Cultura, pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, e conta com o patrocínio do Banco Itaú e da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas da República Portuguesa (DGLAB); com o apoio do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa, do Itaú Cultural (IC) e do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde; e com o apoio institucional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A parceria do Itaú Cultural com o Oceanos, por meio de recursos e de tecnologia desenvolvida pela instituição permitiu que todo o processo – a inscrição no prêmio, a avaliação dos livros e a demonstração dos resultados de cada etapa – fosse realizado por meios virtuais. Dessa forma, os júris internacionais puderam ler e avaliar, em uma plataforma digital, os livros que lhes coube pontuar.