Comportamento / Economia

Pandemia vai continuar afetando as empresas mesmo após controle

Impacto psicológico causado pelo isolamento será de longo prazo

Foto: Taylor Deas-Melesh/Unsplash/Creative Commons
isolamento
O isolamento está afetando a mente dos trabalhadores

Segundo o psicólogo e psicanalista Francisco Nogueira, o impacto psicológico causado pelo isolamento consequente da pandemia em colaboradores das empresas será de longo prazo e exigirá investimentos das empresas em programas de saúde mental, de acordo com a análise de dados obtidos a partir de uma experiência de escuta virtual e gratuita (www.experienciadeescuta.com.br ) que vem sendo realizada desde março de 2020, início da pandemia, por cerca de 50 psicólogos e psicanalistas com toda a população brasileira.

Foram realizados mais de 4.460 acolhimentos de todos os lugares do país.

Para Nogueira, as habilidades e competências relacionadas ao comportamento humano (SOFT SKILLS) têm sido cada vez mais valorizadas pelas empresas nos últimos anos; por outro lado, ainda há um padrão no mundo corporativo de que vida pessoal e profissional não se misturam.

Em um cenário em que o trabalho entrou para dentro das casas, e em muitas situações, veio para ficar, será prioritário que as empresas invistam em programas de  preparo emocional, saúde mental e psicológica dos seus colaboradores, humanizando seus processos para melhor lidar com aspectos comportamentais de seus profissionais e equipes - como senso de pertencimento, segurança e construção de relações saudáveis, diz o psicanalista.

“Os estados emocionais negativos podem perdurar por longo prazo e ter reflexos nas organizações podendo afetar o ambiente corporativo na medida em que a capacidade dos colaboradores de desenvolver uma relação positiva com o trabalho e seus colegas pode ficar comprometida”, alerta Francisco.

Fases dos efeitos psicológicos

Com as primeiras notícias sobre o coronavírus, a Fase 1,  a fase da surpresa  – entre fim de março e abril - foi marcada por ansiedade e surpresa.

O sentimento de impotência e preocupação com o futuro e sustento da família trouxe o agravamento de quadros de transtornos mentais que já eram conhecidos ou que existiam como pano de fundo.

Depois de algumas semanas, veio a sensação de incerteza associada a profunda angústia, Fase 2, a fase da angústia. A convivência forçada com a família e o prolongamento do isolamento social intensificaram a tensão.

Aparecem os primeiros relatos de violência doméstica e casos de pânico.

Pessoas que nunca tinham tido contato com psicólogos ou psicanalistas começam a procurar a Experiência de Escuta, tendência que se manteve até 20 de agosto, quando passamos por um período que foi até o dia 5 de dezembro acolhendo apenas educadores e profissionais de saúde.

Com a Fase 3, a fase da saturação, a mais longa até então, vem o cansaço e o agravamento dos transtornos mentais, que exigem encaminhamentos a tratamentos de longa duração.

A depressão e o sentimento de raiva emergem com força e o pânico é relatado com frequência. Observamos um boom no relato de abuso de álcool e drogas, pensamentos suicidas, assim como de violência dentro de casa.

Na Fase 4 (descompressão/negação), a evolução psicológica muda de rumo. Vem a descompressão associada à esperança trazida pela flexibilização social e pelo possível desenvolvimento de uma vacina.

Aos poucos, o medo provocado pelas situações forçadas de aglomeração dentro do transporte público e na convivência nos locais de trabalho é substituído pelo processo psíquico da negação.

Os discursos se transformam e passam a fazer pouca referência aos perigos da Covid-19.

A Fase 5 (trauma e do luto) envolve o trabalho sobre o trauma e sobre o luto mal elaborado. Entretanto, o fato é que ainda não se conhece os contornos finais da batalha contra a Covid-19. 

Números da pandemia

Segundo dados divulgados no encontro anual da OMS-Organização Mundial da Saúde, empresas em todo o mundo perdem cerca de US$ 2,5 trilhões em produtividade, com faltas no trabalho e rotatividade.

Dados da OMS apontam que 322 milhões de pessoas sofrem com a depressão no mundo. Em 2030 será a doença mais comum no planeta. Com a Covid, a situação se agravou muito.

No Brasil, os transtornos mentais já eram a terceira principal causa de concessão de benefício previdenciário por incapacidade no Brasil (9% do total). Antes da Covid-19,  a depressão já era a principal causa não relacionada a acidentes do trabalho, correspondendo a 30,67% do total seguido de 17,9% de transtornos ansiosos (dados de 2018, únicos disponíveis).

Com a pandemia, a pressão sobre a força de trabalho aumentou. Entre os que foram colocados em home office, os limites entre a vida pessoal e profissional desapareceram.

O medo da contaminação e do desemprego não deixam de rondar os pensamentos.

A OMS afirma que cada US$ 1 investido em tratamento intensivo para transtornos mentais comuns, como depressão e ansiedade, há um retorno de US$ 5 em melhoria da saúde e produtividade para as empresas.

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A era da saúde mental