Comportamento

Homens que conheceram esposas no carnaval condenam o assédio

Todos dizem que há uma linha clara, divisória, entre o assédio e a cantada

Foto: Pixabay/Creative Commons

Declarações, posts e frases alertam que assédio é uma agressão ao “outro” (na imensa maioria dos casos à “outra”). Por outro lado, também existe o bloco daqueles que alegam haver um excesso de mimimi, que estão querendo aprisionar a alma humana e robotizar as relações. “Assim ninguém mais poderá se conhecer”, alegam.

Entrevistamos homens de três casais que se conheceram no Carnaval e que estão juntos há pelo menos dez anos. Em todos os casos, o relacionamento começou com uma “cantada”.

Nos depoimentos, há uma unanimidade. Todos dizem que há uma linha clara, divisória, entre o assédio e a cantada. Para os três entrevistados, se a campanha existisse nas épocas em que se conheceram, o relacionamento começaria do mesmo jeito. “Falar que lutar contra o assédio é mimimi não passa de mimimi de quem quer continuar a ser cafajeste e não respeitar a mulher”, diz um deles, Airton Gontow.

Assédio é crime - Está em vigor desde 2018 a Lei 13.718, que criminaliza os atos de importunação sexual e divulgação de cenas de estupro, nudez, sexo e pornografia. A pena para as duas condutas é prisão de um a cinco anos.

A importunação sexual foi definida em termos legais como a prática de ato libidinoso contra alguém sem a sua anuência “com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiros”.

Giovanni Carneiro de Oliveira, 42 anos, sócio do restaurante Consulado Mineiro, em São Paulo (casado com Flavia Guimarães de Oliveira, 37 anos, servidora pública federal)

“Sou o Giovanni Carneiro de Oliveira, tenho 42 anos e sou empresário, sócio do restaurante Consulado Mineiro, que fica na praça Benedito Calixto, em São Paulo, e em breve abrirá uma nova casa, na região da av. Paulista, também em São Paulo. Sou mineiro de uma cidade chamada Senador Firmino, na Zona da Mata Mineira, que só tem 8 mil habitantes.

Sou casado com Flavia Guimarães de Oliveira, 37 anos, servidora pública federal, também natural de Senador Firmino! Nossa história começou no carnaval de 2002, em Senador Firmino. Mas conheci a Flavia uns três anos antes, através de minha irmã, Viviane, de quem ele era amiga. Só que nessa época eu namorava e a Flavia também!

Em 2001 terminei meu relacionamento e decidi aproveitar ao máximo. Ia para baladas de quinta a domingo, paquerava bastante…não pensava em nada sério.

Em 2002 decidi passar o carnaval em Senador Firmino (é um ótimo carnaval) e chegou a notícia que a Flavia tinha terminado seu namoro. Pensei logo em tentar aproximar-me dela, porque tinha a achado interessante, mas achei que levaria um fora, por ela ser bem diferenciada. Para minha felicidade começamos a conversar e acabamos nos beijando. Só nos beijamos quando tivemos certeza de que os dois queriam! Passamos a noite dançando e nos divertindo com os amigos e familiares! 

No outro dia fui todo empolgado para beijá-la novamente, porém ela não aceitou. Fiquei frustrado, mas respeitei e não insisti. Descobri que ela estava receosa da minha fama de ‘galinha’, mas como bom mineiro, fui conversando com jeitinho e ficamos novamente juntos. Afinal, depois de eu conhecer tanta gente que não tinha nada a ver comigo, não podia deixar uma pessoa tão especial escapar facilmente.

A grande distância que nos separava foi um obstáculo, mas também ajudou em um sentido:  ela morava em Juiz de Fora e eu em São Paulo. Como comecei a viajar para Minas com frequência, para estar sempre que possível estava ao lado dela, a Flávia percebeu que minhas intenções eram sérias e que meu sentimento era verdadeiro. Até que em julho fiz o pedido de namoro, e ela aceitou.

Namoramos por 10 anos, nos casamos em 2012 e em novembro de 2016 nasceu o Theo, uma das nossas duas maiores riquezas e alegrias (ele está com quatro anos e três meses). 

Em outubro do ano passado nasceu o Matheus. Somos uma família muito feliz! Amo a Flavia. É mulher da minha vida. Tanto eu quanto a Flávia apoiamos a campanha contra o assédio. Dá para um homem chegar em uma mulher – e para uma mulher chegar em um homem – de forma respeitosa e com muita atenção ao que o outro quer. Se a campanha já existisse, teríamos nos aproximado e nos apaixonados da mesma forma.” 

Airton Gontow, 59 anos, idealizador e diretor do site de relacionamento Coroa Metade

“Conheci minha esposa, Maria, em um baile de carnaval, no dia 4 de fevereiro de 2008. Foi no Avenida Club, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, no ‘Carnaval à Moda Antiga’, que eu mesmo havia idealizado e criado, só com marchinhas e sambas-enredos, isso muito antes da moda das marchinhas voltar, felizmente, ao carnaval de São Paulo.

Como eu estava trabalhando, fiquei sentado em uma mesa no canto do salão, observando a festa. Uma hora o então proprietário da casa, Telmo Carvalho, apareceu e perguntou-me por que eu não estava dançando. ‘Estou trabalhando’, falei.

Ele disse que eu deveria deixar de ser tolo. ‘Você está separado. O baile é um sucesso. Se ficar aqui sentado o tempo todo não aceitarei fazer o evento novamente no ano que vem’, ameaçou, brincando.

Fui até o salão e logo vi uma mulher linda, ao lado de uma outra moça, no meio do salão. Eram parecidas. Deduzi que eram irmãs. Ela me olhou e pareceu que cutucou a irmã, mostrando-me. Sem prática em paquerar, já que fiquei casado alguns anos, dei uma volta no salão para tomar coragem para chegar para conversar. Durante o percurso supus, mas sem certeza, que os olhos dela procuravam os meus.

Ao completar uma volta, fui homem: corajosamente olhei para ela e… dei mais uma volta. Continuei achando que me olhava. Parei e fui audaz: olhei e comecei uma terceira volta.

Pouco depois voltei até a até minha mesa, pedir a ajuda de um amigo cameraman, que estava no local, filmando para uma tv de Guarulhos. ‘Acho que tem uma mulher olhando para mim. Vamos até o salão e você finge que está filmando e aí mostro a guria para você ver se acha que ela está olhando mesmo…’

Fomos até o salão, ele fingindo que filmava e quando perguntou quem era mostrei. Mas ela estava agora dançando com um homem alto, negro, bonitão, forte, que a jogava para um lado e para o outro. Ele disse, com ironia: ‘Claro, ela está olhando para você. Claro que está!!!’ Voltei acabrunhado para meu canto. Passada uma hora pensei: ‘será que está mesmo dançando com aquele cara? De repente cansou de esperar-me e aceitou uma única dança com ele. Aí me viu e parou de novo. Vou procurá-la.’ Andei pelo salão. Dei uma volta. Mais uma. Entrei no meio do salão, mas não a vi. Fui em direção ao café, que ficava ao antes do salão de baile, mas também não a vi. De repente olhei para a saída e ela estava deixando o local, já nas escadinhas que davam para a rua. Fui rapidamente.        

Ela estava no último degrau, quase na calçada. Aproximei-me e chamei-a. Ela virou e eu disse: ‘Oi’. Ao que ela respondeu ‘oi’. Falei: ‘não sei dançar, mas sou bom de papo. Tu aceitas tomar um café comigo?’ Ela olhou para a irmã e disse: ‘sim’! Ficamos horas conversando no café e já marcamos um novo encontro. Desde então não nos desgrudamos mais e hoje no último dia 4 de fevereiro festejamos 13 anos de união. Dizem que amor de carnaval não dura mais do que a Folia.

Apesar de tê-la conhecido no carnaval, não posso desmentir o dito popular. Afinal, desde que a conheci meu coração se encontra em permanente estado de folia. A folia nunca terminou! Hoje, quando olho para trás, tenho orgulho do modo como cheguei para conversar com o amor da minha vida. Só fui conversar quando tive certeza de que ela estava interessada.

Nós dois damos graças a Deus por aquele instante, aquela cantada que mudou nossas vidas. Hoje temos até um site de relacionamento e vivemos uma relação de amor, cumplicidade e respeito, respeito que começou com a abordagem correta. Lutar contra o assédio não é mimimi. Assédio é crime! O mimimi é de quem quer continuar a ter atitudes cafajestes e não respeitar as mulheres. “

Dalton Figueiredo Júnior, 55 anos, radialista (casado com Alexandrina Almeida Figueiredo, 56 anos, gestora pública)

“Meu nome é Dalton Figueiredo Júnior, mas todo mundo me conhece como Figueiredo Júnior. Sou radialista. Conheci minha esposa em 1983, em um carnaval. Alugamos uma casa e fomos em quatro amigos e cinco amigas. Acabei conhecendo a Alexandrina e longo nos apaixonamos. Uma semana depois já estávamos firmes e fomos assistir a um filme, musical, chamado ‘Anne’.  Ficamos noivos no carnaval seguinte e nos casamos no outro. Estamos juntos há 38 anos, e vamos completar 36 anos de casados.                 

O carnaval marca muito a minha vida. Foi em um carnaval que me mudei em 1987 de Campos dos Goytacazes para São Paulo. Também no carnaval tivemos uma tragédia em nossas vidas. Perdemos um filho. Eu estava narrando um carnaval, na avenida, quando veio a notícia de que nosso bebê, Matheus, havia falecido de meningite.

Hoje temos a Nathália com 31 anos e o Pedro com 23 e decidimos comemorar e pular o Carnaval todos os anos, para lembrar de nosso filho com alegria e não com tristeza. É um pacto que fizemos.

E se o assunto é o assédio, somos – eu e a Alexandrina – completamente favoráveis a essa campanha. O carnaval é lindo. O assédio não. Essas campanhas vieram para ajudar a tornar as festas mais seguras e com mais respeito a todos, especialmente em relação às mulheres.”