Alberto Oliveira

Um "Porta dos Fundos" ruim (mas que não deve ser retirado do ar)

A Constituição, nossa Lei Maior, garante aos autores o direito de produzir arte de má qualidade

O artigo quinto da Constituição Brasileira deveria estar sob o travesseiro de cada um de nós, relido ao menos uma vez por dia. 

Muitas vezes o legislador é confuso e entrelinhas permitem conclusões antagônicas, mas vários pontos dele são claros como água de nascente, embora continuem a ser torcidos e retorcidos em decisões judiciais.

Vejamos o que diz o inciso nono: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Não pode haver dúvidas, nem mesmo em pessoas semialfabetizadas. A censura a obras de arte (mesmo da arte com baixa ou nenhuma qualidade) é inconstitucional, portanto sem amparo. 

É o que acaba de confirmar a Segunda Turma do STF-Supremo Tribunal Federal, seguindo entendimento da Procuradoria-Geral da República, ao julgar procedente reclamação feita pela Netflix Entretenimento Brasil contra decisão que a obrigou a retirar do ar o vídeo "Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo".

Os roteiristas do especial pretendem ser engraçados (apenas pretendem), imaginam-se corajosos, mas se acovardam ao falar de Maomé. "A Primeira Tentação..." é uma obra de baixa qualidade, nada mais do que isso e como tal deveria ser encarada.

Agora vejamos o que estabelece o inciso sexto da Constituição Federal: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

Em Português de botequim: cada pessoa, no Brasil, tem o direito de seguir a religião que quiser (qualquer que seja ela); se desejar ser ateu, também pode (sem impedimento algum). Mais: não há uma religião melhor que outra. E ninguém pode ser perseguido por causa da religião que pratica. Cada um de nós tem o direito de acreditar em Jesus Cristo, Maomé, Oxum ou na divindade que desejar. Ou de duvidar de todos.

Ainda mais: esse direito ninguém poderá nos retirar. Nem o presidente da República, nem o Supremo Tribunal Federal, nem o papa.

No caso do especial (que é arte, embora de má qualidade), o colegiado decidiu ter inexistido o cerceamento da liberdade religiosa, uma vez que o conteúdo está restrito aos assinantes da Netflix e, portanto, com alcance restrito. Os ministros da Segunda Turma do STF também destacaram que determinar a retirada do conteúdo do ar violaria a Carta Magna, onde a censura é expressamente proibida.

Uma decisão acertada. Fez-se Justiça. Aquela que amplia a segurança e, portanto, fortalece o estado democrático de direito.

O especial da Netflix é ruim (muito ruim), mas não se pode negar: a Constituição, nossa Lei Maior, garante aos autores o direito de produzir arte de má qualidade. Consuma essa arte quem quiser. Temos o direito de consumir arte ruim. Ou de virar as costas para ela e deixar o "artista" dialogando com as paredes.

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A insegurança semeada

Oficialmente, são mais de 50 mil mulheres estupradas por ano, no Brasil, uma estatística estarrecedora. Pior ainda quando se sabe estar essa quantidade longe do real, já que uma minoria tem a coragem de denunciar o estupro.

São vários os motivos que levam a mulher a esconder o crime sofrido, entre eles a falta de amparo que se escancara na maneira como é recebida tanto pelas autoridades policiais quanto (pasme-se!) pela Justiça.

Estamos diante de uma decisão judicial que amplia a insegurança da mulher. Em Santa Catarina, encontrou-se uma espécie de "estupro culposo" (alguma coisa como: estuprou, é verdade, mas não queria estuprar) para inocentar-se um acusado.

E a vítima ainda foi humilhada diante do juiz.

Por Themis!