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Como incentivar o seu filho a ter uma infância incrível

Já imaginou o que vai marcar a infância do seu filho ou da criança que convive com você na vida adulta?

Foto: Pexels.com/Creative Commons
Ábaco
Brinquedos feitos artesanalmente costumam envolver mais afeto

No Brasil, comemora-se no 12 de outubro o Dia das Crianças. Neste dia, na década de 1990, entrou em vigor no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), garantindo os direitos definidos na Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Organização da Nações Unidas (ONU) em 1959.

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Brinquedo (Abrinq), é no segundo semestre que se concentra o maior índice de venda de brinquedos, com cerca 70% do total anual.

O aumento se dá em decorrência do Dia das Crianças e do Natal. Apesar do apelo comercial, a data não tem mais a relevância de outrora. Até porque, para boa parte da sociedade contemporânea, propagandas incentivam o consumo por novos brinquedos quase que diariamente. E o que há pouco mais de duas décadas era uma data esperada na esperança de um presente especial deixou de ter, de certa forma, um brilho especial.

Numa era tecnológica e com famílias mais ocupadas, seja com atividades do trabalho ou com as demandas domésticas, os eletrônicos viraram aliados de pais que buscam minutos despreocupados.

Mas o que passa despercebido com a atitude desses pais é que, ao se desconectar dos filhos e conectá-los a uma rede de desconhecidos, você cria um campo minado onde preocupações futuras crescem férteis. Celulares, tablets e brinquedos plásticos além de superlotarem quartos de crianças, também têm poluído rios, mares e esgotos, principalmente em localidades carentes. Você pensa sobre isso na hora de comprar um brinquedo para o seu filho?

A pesquisa “Infância Plastificada: O impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente”, realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Química Verde, Sustentabilidade e Educação (GPQV), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a pedido do Programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, é pioneira no mundo sobre o efeito “publicidade-desejo-consumo-descarte”.

Apresentada em junho deste ano, aponta o plástico como um item determinante ao relacionar o consumo infantil com o meio ambiente. Produtos como alimentos, bebidas e brinquedos fortalecem essa correlação.

Para a mestre em psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Sílvia Miranda, que também é arte-terapeuta e exerce um trabalho direto com crianças e pais, nos últimos anos, o apelo ao consumo de brinquedos tem sido abundante.

Vídeos de youtubers na internet compartilham produtos novos diariamente, o que leva crianças a almejarem o objeto desejado.

“Parece que o brincar é ter e não usufruir, o que é um problema. Dá uma falsa sensação de que o importante é ter e isso traz uma série de problematizações com relação à valorização, sempre projetando para o que eu quero ter e não para o que eu tenho agora. Acaba que nenhum dos brinquedos ocupa relevância na experiência do brincar”, explica.

No contexto especial da pandemia tem acontecido o uso excessivo de celulares, o que pode trazer irritabilidade, perda da interação com o presente e pessoas, além de diminuir a relação da criança com o brincar, a criação e frustrações.

“Precisamos ter cuidado com o excesso porque ele tem consequências, mas devemos considerar a realidade da quarentena com aulas, trabalho remoto e outras atividades diante das telas.

É necessário, ao invés de ser ‘contra telas’, conhecer os jogos e vídeos que os filhos assistem. Existem atividades on-line que são muito bem-vindas, depende de como a família vai administrar aquela situação. Retirar isso da criança e não dar outras possibilidades é complicado”, orienta a psicóloga.

 

Foto: Isabela Menezes / Pixabay

A projeção para o que se quer ter e não para o que se tem faz com que nenhum brinquedo ocupe relevância na experiência do brincar |
 


 

SOS Brinquedos

Um empreendimento que há décadas pensa, mesmo sem intenção do ponto de vista ambiental, mas sim da perspectiva de preservação da vida útil desses brinquedos são as oficinas de reparo, conhecidas popularmente como hospitais de brinquedos.

Em Recife (PE), o concerto de objetos tão simbólicos é uma atividade prazerosa para o engenheiro civil Luciano Soares, que há 12 anos em sua Officina de Brinquedos Kids leva a esperança para crianças, e também para adultos, de manter vivas memórias de uma infância de magia materializada num brinquedo.

“Concertamos vários tipos de brinquedos, manuais e eletrônicos. Tivemos aumento nos reparos, principalmente de bonecas antigas e restaurações”, comenta, ao exibir imagens de uma boneca cinquentona restaurada ao lado de sua dona.

Durante a pandemia do novo coronavírus, o hospital de Luciano teve um aumento de 40% no número de pacientes. Cerca de 60 brinquedos todo mês em busca de um atendimento para seguir em sua trajetória de alegria na infância de alguém.

Todos devidamente higienizados e atendendo as medidas impostas pela quarentena, seguiram seu propósito. Ele reitera que a crise econômica é uma oportunidade rentável e educativa: “É mais viável o concerto do que comprar outro. Além de ensinar a criança a importância de valorizar o seu brinquedo”.

E como você acredita que as crianças do futuro vão lembrar da infância que vivenciam hoje? Para Luciano, o consumo excessivo de brinquedos tem deixado de lado a importância que essa simbologia representa na infância: “Isso muda a essência de como é a realidade de um brinquedo. Antes, os avós tinham a tendência de guardar de recordação brinquedos que marcaram sua infância, mas hoje essa visão mudou. Essa infância do futuro já acredito que estamos perdendo”.

Mesmo que consideremos o plástico um grande vilão e um terror para o meio ambiente, é impossível excluí-lo totalmente do convívio infantil.

A possibilidade de conviver com ele de uma forma sustentável existe e é aí o ponto de partida para aproveitar ao máximo sua vida útil, por meio das feiras de troca de brinquedos ou um simples ‘passe à diante’ fazendo-o seguir um novo destino na memória de outras crianças.

“O movimento de pensar no outro também é construído a partir das experiências. Tanto na construção quanto na doação, você permite à criança experienciar o próprio movimento da vida de forma propositiva, de que as coisas se transformam. Mostrar a ela o processo de construir, de não conseguir fazer aquilo, de lidar com a frustração. Isso permite um crescimento de fato, maior em vários níveis psíquicos e sociais, de memória, criatividade e raciocínio”, enfatiza a psicóloga Sílvia.

Esse é o pensamento da ecóloga Carolina Rodrigues, mãe da menina Cora, de 2 anos, que tem uma infância privilegiada no município de Lençóis, na Chapada Diamantina (BA). Ela adotou uma medida sustentável e criativa para a vida útil dos brinquedos da filha.

“Acredito que a reutilização e o doar são muito saudáveis. Quero que ela entenda que, se tem muitos ou alguns que não brinca, outras crianças podem usar. Em alguns aniversários que vamos, ao invés de comprar um brinquedo novo, levamos algum da Cora que ela não brinca mais”, revela. É o ciclo do brinquedo em atividade!

Meus filhos mesmo sempre perguntam do que eu brincava na minha infância, já que não existiam celulares, tablets e tampouco internet. A minha resposta é sempre a mesma: eu criava! E eu adoro responder isso porque aprendi a usar a minha criatividade para coisas que me interessavam muito. Aprendi a costurar, desenhar e confeccionar minhas próprias bonecas, além de produzir um figurino exclusivo para elas. E isso reverberou entre meus filhos, que ganham caixas vazias ou folhas em branco para produzir seus próprios brinquedos.

A mãe de Cora revela que a filha tem contato com dispositivos eletrônicos, mas com cautela: “Ela vê desenhos no computador e não acho legal o celular porque muda toda hora e isso estimula a ansiedade da criança. Ela tem bonecas, adora livros, tecido e sempre que tenho oportunidade, estimulo as brincadeiras tradicionais”.

A essência do brincar

A minha infância foi muito divertida. Na época em que eu era uma cabrochinha serelepe que colecionava conchas do mar e queria ser uma sereia, brincar me levava ao mundo de possibilidades onde eu poderia ser o que eu quisesse.

Eu tive a sorte de crescer em um ambiente familiar onde as manifestações culturais estavam sempre presentes e foram um diferencial. Seja pelas histórias que meu pai contava toda noite para eu dormir, ou pelas rodas de música onde minha mãe cantava clássicos populares.

Ser jornalista falando no rádio de lata ou embaixo do chuveiro com os ouvidos tapados para informar a situação do trânsito com a chuva era uma brincadeira constante. Poderia ser algo simples, mas esse, entre outros divertimentos, também são possíveis na atualidade. Ainda que você viva em grandes metrópoles.

De acordo com a psicóloga Sílvia Miranda, o brincar na infância é uma atividade indispensável para o desenvolvimento de uma série de aspectos sociais e cognitivos.

“Há pesquisas que apontam que a própria formação cerebral, o peso, e a quantidade de sinapses é alterada a partir do brincar, que traz essa construção do emocional e uma maturidade emocional. Infelizmente isso não faz parte da realidade de toda criança. Até aquelas de famílias que têm uma boa situação econômica não têm tempo de brincar porque têm outras atividades. Uma agenda cheia não significa que a criança está tendo uma experiência com o brincar, que é algo mais singular”, explica.

Para Carolina Rodrigues, a infância é mais interessante quando damos a ela a oportunidade de liberar sua criatividade junto à natureza, longe dos eletrônicos.

“Acredito muito nos brinquedos da natureza, como paus, folhas, pedras… Quando vamos passear por aqui onde moramos, não levamos os brinquedos, deixo minha filha criar e inventar junto com a natureza. Isso está em falta entre as crianças contemporâneas. Acredito que estimular brincadeiras ao ar livre torna o desenvolvimento delas melhor e mais saudável”, enfatiza.

Antigamente, herdávamos alguns objetos dos nossos avós ou de outros familiares.

E esse hábito caiu no esquecimento na contemporaneidade. Certamente, existem brinquedos tradicionais, aqueles feitos pelo ‘tio’ que todo domingo vai à feira da sua cidade vender casinhas de bonecas ou carrinhos esculpidos tradicionalmente na madeira. Lembra de algum? O que você não imagina é que eles dizem muito mais sobre nossa essência do que podemos imaginar.

“Quando falamos de brinquedos tradicionais, falamos de história e apropriação cultural, o que nos permite uma conexão mais profunda com gerações anteriores, com a raiz histórica da família. Isso é necessário para um bom desenvolvimento da criança e tudo isso resulta na postura dela com a sensação de identificação e pertencimento”.

Mas, como nem todas as crianças têm a oportunidade de conviver tão próximo da natureza, como a pequena Cora da Chapada Diamantina, é preciso buscar um equilíbrio entre as atividades do dia a dia e a educação dos filhos.

Para mim, mãe de duas crianças, de 4 e 10 anos, moradora de centro urbano, um planejamento semanal é uma iniciativa criativa e otimizada para o que fazer com os filhos no decorrer dos dias vindouros. Afinal, a infância passa num piscar de olhos!

 

Pais ocupados? Nem tanto!

A psicóloga Sílvia sugere uma atitude importante para pais que se consideram ocupados demais para um momento diário com os filhos.

“Gosto de falar sobre qualidade de tempo. Vamos estar ali de verdade? Almoçar sem dividir a atenção com outros afazeres ou celular, uma hora por semana só você e ele, ou com membros da família é importante para estimular algo que de fato como pai e mãe só você vai conseguir fazer”, explica.

Ainda segundo Sílvia, a fala e o olhar dos pais ou familiares que atuam efetivamente na educação da criança têm um peso diferente para ela: “O seu interesse vai chegar a ela como algo especial e diferente. Não há profissional médico que supra isso. Os pais devem entender que, ainda que não tenham o tempo que gostariam de ter com os filhos, que eles têm um peso importante para o desenvolvimento saudável, físico e psicológico na educação dessas crianças. Os hábitos dos pais vão ser naturalmente copiados pelos filhos, que irão reproduzir, não o que os pais querem que eles façam, mas sim o que eles estão vendo os pais fazerem”.