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Países estão falhando em prevenir violência contra crianças

A informação está em um novo relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

Foto: Nappy.com/Creative Commons
Em 2017, cerca de 40 mil crianças foram vítimas de homicídio no mundo
Em 2017, cerca de 40 mil crianças foram vítimas de homicídio no mundo

Metade das crianças do mundo – ou aproximadamente 1 bilhão de crianças – é afetada por violência física, sexual ou psicológica a cada ano, sofrendo lesões, incapacidade e morte em razão do não cumprimento por parte dos países das estratégias estabelecidas para protegê-las.

A informação está em um novo relatório, publicado nesta quarta-feira (17), pela Organização Mundial da Saúde (OMS), UNICEF, UNESCO, representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Violência contra as Crianças e End Violence Partnership.

"Nunca há desculpa para a violência contra crianças", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. "Temos ferramentas baseadas em evidências para evitá-la e chamamos todos os países a implementá-las. Proteger a saúde e o bem-estar de crianças é fundamental para proteger nossa saúde e bem-estar coletivo, agora e para o futuro.”

Global Status Report on Preventing Violence Against Children 2020 – ou Relatório Global sobre Violência contra Crianças 2020, em tradução livre ao português – é o primeiro do tipo a ser lançado e mapeia o progresso em 155 países com a ferramenta INSPIRE, um conjunto de sete estratégias para prevenir e responder à violência contra crianças.

O documento sinaliza uma clara necessidade em todos os países de intensificar os esforços para implementá-las. Embora quase todos os países (88%) possuam leis importantes para proteger as crianças da violência, menos da metade dos países (47%) afirmou que essas legislações estavam sendo consistentemente aplicadas.

O relatório inclui as primeiras estimativas mundiais sobre homicídios especificamente para crianças menores de 18 anos – as estimativas anteriores foram baseadas em dados que incluíam pessoas de 18 a 19 anos.

Em 2017, cerca de 40 mil crianças foram vítimas de homicídio no mundo.

“A violência contra crianças sempre foi generalizada e agora as coisas podem piorar muito”, alegou Henrietta Fore, diretora executiva do UNICEF. “Confinamentos, fechamento de escolas e restrições de mobilidade deixaram muitas crianças presas a seus agressores, sem o espaço seguro que a escola normalmente ofereceria. É urgente intensificar os esforços para proteger as crianças durante esse período e além, inclusive designando assistentes sociais como essenciais e fortalecendo as linhas de apoio infantil.”

Progresso geralmente é desigual

Das estratégias INSPIRE, apenas o acesso às escolas com matrícula mostrou progresso, com 54% dos países notificando um número suficiente de crianças alcançado dessa maneira.

Entre 32% e 37% dos países consideraram que as vítimas de violência poderiam acessar serviços de apoio; 26% dos países forneciam programas de apoio aos pais e cuidadores. Além disso, 21% dos países possuíam programas para alterar normas prejudiciais; e 15% dos países fizeram modificações para proporcionar ambientes físicos seguros para as crianças.

Embora a maioria dos países (83%) possua dados nacionais sobre violência contra crianças, apenas 21% já os utilizaram para definir linhas de base e metas nacionais para prevenir e responder à violência contra elas.

Cerca de 80% dos países possuem planos de ação e políticas nacionais, mas apenas um quinto deles possui planos totalmente financiados ou com metas mensuráveis. A falta de financiamento combinada com a capacidade profissional inadequada provavelmente são fatores que contribuem e uma razão pela qual a implementação tem sido lenta.

Resposta à Covid-19 e seu impacto nas crianças

“Com o fechamento de escolas durante a pandemia de Covid-19, observamos um aumento na violência e no discurso de ódio na internet – incluindo bullying. Agora, à medida que as escolas começam a reabrir, crianças têm mostrado medo em voltar às aulas”, disse Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO.

“É nossa responsabilidade coletiva garantir que as escolas sejam ambientes seguros para todas as crianças. Precisamos pensar e agir coletivamente para acabar com a violência nas escolas e em nossas sociedades em geral.”

Medidas de distanciamento social, incluindo o fechamento de escolas, limitaram as fontes usuais de apoio a famílias e indivíduos, como amigos, familiares ou profissionais.

Isso diminui ainda mais a capacidade das vítimas de lidar com as crises e as novas rotinas da vida cotidiana. Picos foram observados nas ligações para linhas de ajuda ao abuso infantil e violência por parte do parceiro.

Embora as comunidades virtuais tenham se tornado centrais para manter o aprendizado, o apoio e as brincadeiras de muitas crianças, identificou-se um aumento de comportamentos prejudiciais na internet, incluindo cyberbullying, comportamentos de risco e exploração sexual.

"Enquanto este relatório estava sendo finalizado, as medidas de confinamento e a oferta interrompida de serviços de proteção infantil já limitados exacerbaram a vulnerabilidade das crianças a várias formas de violência", explicou Najat Maalla M'jid, representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Violência contra Crianças.

“Para responder a esta crise, é fundamental ter uma estrutura unificada dos direitos da criança e uma ação multissetorial, que exige uma forte mobilização de governos, doadores bilaterais/multilaterais, sociedade civil, setor privado e crianças, cujas opiniões devem ser ouvidas e realmente levadas em consideração para garantir proteção adequada e a possibilidade de todos prosperarem e atingirem seu completo potencial.”

Acelerando a ação para proteger as crianças

A OMS e seus parceiros continuarão a trabalhar com os países para implementar totalmente as estratégias INSPIRE, aprimorando a coordenação, desenvolvendo e implementando planos de ação nacionais, priorizando a coleta de dados e fortalecendo as estruturas legislativas.

É necessária uma ação global para garantir que o suporte financeiro e técnico necessário esteja disponível para todos os países. O monitoramento e a avaliação são cruciais para determinar até que ponto esses esforços de prevenção são efetivamente entregues a todos que deles precisam.

"Acabar com a violência contra as crianças é a coisa certa a fazer, um investimento inteligente e possível. É hora de financiar completamente planos de ação nacionais integrais para manter as crianças seguras em casa, na escola, online e em suas comunidades”, pontuou Howard Taylor, da End Violence Partnership. "Podemos e devemos criar um mundo onde todas as crianças possam se libertar da violência e se tornar uma nova geração de adultos, com vidas saudáveis e prósperas.”

Nota aos editores

Os dados do relatório foram compilados por meio de uma pesquisa feita entre 2018 e 2019 com respostas de mais de 1.000 tomadores de decisão de 155 países.

As estratégias do INSPIRE, lançadas em 2016, exigem a implementação e aplicação de leis; mudança de normas e valores para tornar a violência inaceitável; criar ambientes físicos seguros para crianças; fornecer apoio aos pais e cuidadores; fortalecer a renda, segurança econômica e estabilidade; melhorar os serviços de resposta e apoio às vítimas; e proporcionar às crianças educação e habilidades para a vida.

LINKS

Para baixar o relatório (apenas em inglês) e o resumo executivo (em inglês, francês, russo e espanhol), acesse: https://who.canto.global/b/SSHOR e use a senha: 490759.