A pandemia da covid-19 parou o mundo, modificou hábitos e gerou temor entre as pessoas. E qualquer mudança na sociedade tem forte impacto sobre as crianças. Uma geração inteira que acompanha com a curiosidade infantil, muitas vezes sem entender a dimensão do problema, mas preocupada com seu futuro e de sua família.
As várias realidades mostram que pelo país há diversos tipos de quarentenas e a desigualdade social também impacta a forma como as crianças vivenciam esse período. O Caminhos da Reportagem trata, neste domingo (31), da pandemia sob o ponto de vista das crianças que vão crescer sob o reflexo do novo coronavírus no mundo.
O programa foi feito de forma colaborativa: pais, famílias, as próprias crianças, coletivos de cinema e parceiros da TV Brasil registraram o que viram de perto em suas casas ou locais onde moram. Com isso, foi possível, mesmo em meio ao isolamento social, mostrar diversas realidades: crianças de classe média, da periferia, do interior do país e crianças indígenas que vivem o problema de formas diferentes, mas com a mesma preocupação.
Moradora de Paraisópolis (SP), onde divide um pequena casa de dois quartos com outras seis pessoas, a diarista Cristina Maria da Silva acompanha de perto toda a ansiedade e inquietação de quatro adolescentes e crianças que estão sem ir a escola, com aulas online e muita energia para gastar.
Já no sertão pernambucano, em Serra Talhada, os primos Davi Santos (4 anos) e Gustavo Silva (5 anos), que moram em uma comunidade rural, apesar da pouca idade já entendem que vivem tempos diferentes. Acostumados a brincarem com liberdade pela região, com contato diário com a natureza, eles estranham o confinamento, enquanto vêem na TV histórias assustadoras sobre um “monstro invisível”. "Não pode ir para canto nenhum", reclamam. Mas para Bruna Tainá Santos, mãe de Davi, o temor é outro: "eu tenho medo desse vírus chegar até aqui, o meu medo é do meu filho adoecer".
Também no interior de Pernambuco, no município de Águas Belas, está a Reserva Indígena do povo Fulni-ô. Já há casos de covid-19 na região e as crianças indígenas estão assustadas. Yaysni Ferreira dos Santos (6 anos) e Tedya Ferreira Barbosa (8 anos) têm acompanhado o que acontece no mundo pelos jornais. "Eu estou com medo porque eu não quero ficar doente", explica Yaysni. "As notícias que eu ouvi é que está tendo muita morte e estou com medo, a minha família também", conta Tedya.
Os irmãos José (9 anos) e os gêmeos Bento e Miguel (6 anos) moram em Curitiba, no Paraná. A família de classe média vive em uma casa com quintal que permite mais liberdade para as brincadeiras, mas as crianças também sentem o isolamento social. A mãe dos meninos, a empresária Ana Caroline Olinda, conta como está sendo para cada um deles: "O José muito mais ativo, precisa correr, tem muita energia. Já os gêmeos são mais caseiros, então eles têm sentido menos a quarentena".
Além da ansiedade e muita energia para gastar em casa, as crianças também têm que conviver com uma nova realidade: as aulas online. Nem alunos, nem professores estavam preparados para uma mudança tão rápida no cotidiano escolar. A professora Diana Cardoso é mãe de Marina, de 10 anos, e vive em casa os dois lados dessa realidade. Ela e a filha contam que no início foi difícil o ensino online sem muito planejamento. Mas, agora, a fase da adaptação foi superada. "Estou gostando das aulas, acho que está de uma maneira bem legal de aprender, mas preferia da forma antiga", diz Marina.
Para Isabela John (11 anos), a escola particular onde estuda conseguiu fazer uma dinâmica interessante para os alunos, com aprendizado em sites científicos, uso de aplicativos, entre outros recursos. Mas ela sente falta de estar fisicamente na escola. "Eu estou usando uniforme nas minhas aulas online porque a gente se sente mais no clima da escola", conta Isabela explicando uma estratégia para não sair da rotina.
A quarentena evidenciou um problema antigo de desigualdade no sistema escolar brasileiro, uma vez que o acesso a internet não é realidade nas casas de muitos estudantes. Em todo o Brasil, 4,8 milhões de crianças não têm acesso a internet - o que equivale a 17% de estudantes entre 9 e 17 anos, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online 2019.
Outra preocupação durante a quarentena é a exposição ainda mais acentuada de crianças a telas. Alguns pais estabelecem horários, outros, para conseguir trabalhar, deixam livre o acesso à televisão, computadores, tablets e celulares. A psicóloga Raquel Manzini alerta para prejuízos com o uso exagerado desses eletrônicos.
Mas para o pediatra Daniel Becker, é preciso haver um equilíbrio. "Neste momento, acho que a gente precisa ser mais flexível, porque senão a gente enlouquece", pondera.