Pesquisadores do Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional da Universidade São Francisco (USF), em Campinas, no interior de São Paulo, estão analisando como pessoas com diferentes tipos de personalidade vêm lidando com o distanciamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus. E os extrovertidos talvez estejam tendo mais dificuldade.
“Trabalhamos com a ideia de traços de personalidade”, explica o psicólogo Lucas de Francisco Carvalho, o autor do trabalho. De acordo com ele, todas as pessoas no mundo têm o mesmo conjunto desses traços. O que muda de indivíduo para indivíduo é o nível de cada um. “No estudo, focamos em dois traços, extroversão e conscienciosidade.” No primeiro grupo se encaixam aqueles mais comunicativos, que gostam de se expor em público e de estar entre multidões, por exemplo. Já o segundo tem a ver com organização, ordem, pontualidade, preocupação com regras e planejamento.
O trabalho contou numa primeira etapa com 715 participantes, a partir dos 18 anos. Desse total, 77,3% eram mulheres, 52,2% solteiros, 69,5% caucasianos e 68,8% tinham ensino superior. Cinco respondentes tinham feito o teste para a covid-19 e dois foram diagnosticados com o problema. O estudo se valeu de um questionário online de 30 itens, com escalas de pontuação. As perguntas giravam em torno de temas como isolamento social e higienização das mãos.
“Usamos uma escala que avalia traços de personalidade, o BFI-2-S”, relata Carvalho, que é professor do programa de pós-graduação stricto sensu em Avaliação Psicológica pela USF. “Essa escala, assim como as demais escalas psicológicas, foi desenvolvida por pesquisadores e testada, isto é, foram conduzidos estudos para investigar se ela funciona adequadamente, o que chamamos de propriedades psicométricas.”
O BFI-2-S é baseado no big five ou five-factor model, ou seja, o modelo dos cinco grandes fatores da personalidade. Ele descreve cinco traços amplos: além de extroversão e conscienciosidade, agradabilidade (empatia, cooperação), abertura (curiosidade, artes, ciências) e neuroticismo (irritabilidade, depressão, vulnerabilidade). “Focamos nos dois primeiros. Cada um desses traços é avaliado por seis questões do BFI-2-S”, diz o psicólogo.
Os resultados do estudo apontam que os extrovertidos talvez estejam penando diante das medidas adotadas na quarentena do novo coronavírus. “Para essas pessoas, a necessidade de estimulação externa pode estar associada a uma maior dificuldade para aderir ao distanciamento social e praticá-lo”, revela Lucas de Francisco Carvalho. “De fato, lidar com os próprios traços não é tarefa fácil, demanda autoconhecimento, treino, foco em relação aos comportamentos.”
Por isso, de acordo com o pesquisador, a primeira coisa a se fazer é conhecer suas características de personalidade. Uma vez que a pessoa tenha clareza de seus traços e de possíveis dificuldades atreladas a eles, deve tentar desenvolver estratégias. No caso, gastar energia seria um primeiro passo: atividades físicas e mentais dentro de casa nesses dias são uma ótima opção. O segundo: utilizar a seu favor as tecnologias digitais. Videoconferências, aplicativos como WhatsApp e vários outros são modos de manter a interação social, mesmo com grandes grupos de pessoas, aponta o psicólogo.
Com o pessoal, digamos, reservado, a lida com a pandemia tem outra toada. “Conceitualmente, e de acordo com nossos resultados, os mais introvertidos devem ter maior facilidade”, diz Carvalho. Isso porque o fato de estarem com menor frequência entre muitas pessoas, praticando atividades sozinhos, é algo em sintonia com seu funcionamento.
Personalidades díspares não são incompatíveis e têm a chance adquirir conhecimentos com perfis diversos dos seus. “Os mais extrovertidos podem aprender com os conscienciosos o planejamento, isto é, não basta ter a intenção, por exemplo, de lavar as mãos a todo momento, usar álcool gel e máscara. É necessário se planejar para realmente praticar essas ações”, fala Carvalho.
Isso vale também para o seguimento de normas, como a recomendação do isolamento social, algo imprescindível. “Por outro lado, os conscienciosos podem buscar alguma flexibilidade em suas ações dentro de casa e se darem o luxo de fazerem tarefas menos organizadas e planejadas, embora com a segurança do lar.”
A pesquisa teve vários desmembramentos. “Atualmente já obtivemos dados com mais de 3 mil pessoas”, conta o psicólogo. “Avaliamos mais traços, incluindo os que têm a ver com cooperação, como empatia, e com não cooperação, como indiferença e grandiosidade.” Segundo ele, no momento está sendo finalizada outra coleta de informações, dessa vez internacional, com a participação do Brasil e de outros países, a exemplo de Itália, Estados Unidos e Arábia Saudita. “Precisamos usar este momento para saber como as pessoas se comportam e criarmos estratégias para ajudá-las não só na pandemia da covid-19, mas em futuras situações similares.”