Alberto Oliveira

Bancos recebem mais de R$ 1,2 trilhão (e veja o que estão fazendo)

Os recursos na prática estão servindo para catapultar à estratosfera os lucros já indecentes do sistema bancário


Foto: pxhere/Creative Commons

A montanha de dinheiro despejada pelo poder público no sistema bancário brasileiro, controlado por cinco bancos, sendo 3 privados (são 12 mil bancos e cooperativas de crédito, nos Estados Unidos), é o equivalente a 16,7% de tudo o que é produzido em um ano, no País. São R$ 1,216 trilhão, com os quais o Banco Central está inundando os cofres basicamente de Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil e Caixa Econômica, espantosamente sem exigir contrapartidas.

A justificativa do BC é a de combate aos efeitos negativos da pandemia do novo coronavírus sobre o sistema financeiro. Esse volume de recursos deveria estar chegando aos correntistas (pessoas físicas e empresas), na forma de facilidades de crédito e de postergação de parcelas de empréstimos (sem a inserção de novos juros).

Na prática, está servindo para catapultar à estratosfera os lucros já indecentes do sistema bancário no País, que registra a segunda maior concentração do mundo (atrás apenas da Holanda).

Em 2019, Bradesco, Itaú e Santander lucraram R$ 63 bilhões, um avanço de 18% em um ano onde a economia cresceu mirrados 1,1%. Somente o Itaú teve lucro líquido de R$ 26,6 bilhões (crescimento de 6,4% em relação a 2018). O Bradesco foi o campeão em lucros: mais 18,32%, acumulado de R$ 22,6 bilhões. O lucro do Santander aumentou 16,6%, atingindo R$ 14,2 bilhões. 

O discurso do Banco Central, a autoridade monetária brasileira, é de que os R$ 1,216 trilhão colocados à disposição dos bancos manterão a liquidez no sistema – isto é, a disponibilidade de dinheiro para que possam fazer normalmente suas operações.

Na prática, o que se vê é a apropriação dos recursos para alavancar a margem de lucro, o que ficou claro nas declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), após encontro com o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney.

Maia disse que a opinião, como ressaltou “compartilhada pela sociedade”, é de que os bancos estão sempre querendo "ter resultado positivo neste momento, ter lucro".

Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo revelou o descontentamento de empresários (de pequenas, médias e mesmo grandes empresas), que não conseguem ter acesso ao crédito, em meio à pandemia.

Segundo os empresários ouvidos pela Folha, os bancos elevaram os juros dos empréstimos que estavam perto de ser aprovados antes da pandemia.

Ao jornal, empresários disseram que as taxas praticadas pelas instituições financeiras dobraram ou triplicaram após o decreto de pandemia.

A prorrogação de prazos de pagamentos de parcelas está sendo  condicionada a um aumento nas taxas de juros do empréstimo ou a uma elevação das parcelas. Foi o que exigiu, por exemplo, um dos gerentes do Bradesco em Salvador, nesta quarta-feira (15 de abril).

Cinco entidades representantes do varejo enviaram documento ao Ministério da Economia e ao Banco Central, no dia 30 de março. Assinam, entre outros, a Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) e o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), que incluem empresas como Riachuelo, Lojas Americanas, Magazine Luiza e Lojas Renner.

O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já alertou para a retenção dos recursos pelo sistema bancário, quando deveriam estar sendo injetados no sistema produtivo.

Em videoconferência com representantes do setor de varejo, o ministro admitiu que os recursos estão "empoçados”. Como solução, não cogitou em voltar atrás na liberação do dinheiro colocado à disposição dos bancos, nem mesmo em adotar medidas que garantissem o objetivo alardeado pelo Banco Central.

Para contornar o problema, disse Guedes, o governo está trabalhando para que o dinheiro chegue diretamente a quem precisa: famílias e empresas. "Começamos agora a dar dinheiro na veia, direto para as empresas", afirmou o ministro.

Ou seja: os bancos continuarão usando os recursos injetados pelo BC da forma que quiserem. E o que estão fazendo diz muito sobre o setor.

À revista Veja, um empresário contou que o banco ofereceu, como deferência, um empréstimo emergencial de R$ 150 mil para ser pago em 48 vezes, com 3,94% de taxa de juro ao mês – mais do que uma Selic anual, que está em 3,75%.

Em carta ao BC, representantes do comércio varejista afirmam que “as taxas de juros estão, em média, 50% superiores às registradas antes da crise do novo coronavírus. Em alguns casos, segundo eles, o aumento chega a 70%”.

A carta é assinada pela Associação Nacional de Shoppings Centers (Abrasce); pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV); pela Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL); pela Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB); e pela Associação Brasileira de Franchising (ABF), de franquias.

De acordo com o texto, o aumento das taxas atinge "operações habituais do varejo", entre elas capital de giro, conta garantida, antecipação de recebíveis, risco sacado e empréstimos 4131, feitos em moeda estrangeira.

O Sindicato dos Bancários da Bahia recebeu denúncias de que os funcionários do Bradesco são obrigados a oferecer até consórcio, “mesmo num momento que as pessoas não querem adquirir mais despesas”. 

Diz o Sindicato: “O Bradesco, que ‘paga’ de bom moço na grande mídia, fazendo propaganda sobre doação de dinheiro para ajudar a combater a pandemia, na verdade não está nem aí para o brasileiro. Assedia o funcionário para cumprir metas e ainda quer endividar o cidadão”. 

Muito dos problemas causados à economia pela sede de lucros dos bancos no Brasil vem da altíssima concentração, iniciada e consolidada no País com a defesa do Banco Central.

Segundo o Relatório de Economia Bancária publicado pelo BC em 2017, os cinco maiores bancos brasileiros respondem por 82% de todo o mercado financeiro do País, índice bem maior que os 60% registrados há 12 anos e acima da média global.

Apenas a Holanda ultrapassa o Brasil, com uma concentração de 89%. Os Estados Unidos registram 43% e a China 37%.

A concentração também é grande, no segmento voltado para  pessoas jurídicas: 73% do mercado estão nas mãos do BNDES-Banco Nacional do Desenvolvimento Social, Banco do Brasil, Caixa, Bradesco e Itaú.

Sumiram 91 instituições, como Banco Econômico (o sexto maior do País), Província do Rio Grande do Sul, Comércio e Indústria de Minas Gerais, Indústria e Comércio de Santa Catarina, Banco de São Paulo, Banco da Bahia, Banco do Estado de Minas Gerais, Banco do Estado do Rio de Janeiro, Banco do Estado do Paraná S.A, etc.

Na prática, os correntistas brasileiros estão à mercê de uma virtual cartelização do setor, que atua sem concorrência e sob as vistas grossas de todos os dirigentes brasileiros, nos últimos quase 30 anos.