Jolivaldo Freitas

Da COP30 só restou o cheiro de diesel

Os ambientalistas passaram a COP inteira com aquele olhar de "eu não acredito que estou vendo isso"


Ilustração: Recraft IA

Agora que a COP30 acabou — e Belém finalmente conseguiu desligar os 160 geradores que fizeram da conferência a maior usina termoelétrica improvisada da Amazônia — é possível respirar fundo. Quer dizer... modo de dizer: o ar ainda tem um toque de diesel, um bouquet de plástico derretendo ao sol e um aroma sutil de urucum, lembrança involuntária do gringo que saiu da plenária com a cara melada, parecendo protagonista de bloco afro.

Passado o vendaval climático, diplomático e elétrico, ficou claro que a COP30 foi uma síntese perfeita do Brasil: grande, barulhenta, cheia de boas intenções e movida a óleo diesel. No final das contas, foi uma conferência sobre combustíveis fósseis com combustíveis fósseis, quase uma homenagem involuntária ao petróleo — ou uma provocação sofisticada, dependendo da boa vontade do observador.

A chuva, claro, marcou presença. Em Belém, quem não se encharca é turista recém-chegado ou alemão reclamando do calor. E os alemães reclamaram de tudo: do calor, da umidade, do tacacá, do urucum e, principalmente, da ousadia de Jader Barbalho em organizar uma conferência global no meio da floresta sem a devida competência. Jader, por sua vez, devolveu na mesma moeda, lembrando que a “alemãozada” ajudou a aquecer o planeta e agora vinha reclamar da temperatura. O homem pode não ter resolvido os alagamentos, mas respondeu bem.

Aliás, os alagamentos foram um espetáculo à parte. De manhã cedo, os chefes de Estado atravessavam poças com a elegância de quem tenta não molhar o sapato de couro que custou mais que o salário de um servidor da Sudam. E dentro das salas? Pingos no plenário, gotas na mesa, pequenos lagos filosóficos ao redor dos microfones. Tudo muito tropical, muito imersivo. A Amazônia entregando experiência.

Os caminhões-tanque, coitados, trabalharam como nunca. Era um entra-e-sai sem descanso — parecia até trio elétrico no Carnaval de Salvador, mas com menos alegria e mais fuligem. E lá estavam eles, bombeando diesel para alimentar os geradores que refrigeravam a conferência onde se discutia, apaixonadamente, como abandonar os combustíveis fósseis.

Os ambientalistas passaram a COP inteira com aquele olhar de “eu não acredito que estou vendo isso”, dividido entre perplexidade, calor e uma vontade discreta de tomar um sorvete de cupuaçu. Já o pessoal dos biocombustíveis recitava mantras sobre B100, enquanto aceitava resignado o fato de que “o que deu pra fazer” foi um diesel com 25% de conteúdo renovável — um blend otimista.

E no meio desse cenário, o Brasil seguiu sendo Brasil: contraditório, criativo, encantador e, principalmente, resiliente. Conseguimos transformar a conferência do clima em um evento que parecia organizado por Murphy: se podia dar errado, deu com estilo.

No fim, o que ficou da COP30 — além do cheiro de gasolina e do aprendizado de que alemão não combina com umidade e derrete com o calor, a não ser que esteja atrás de trio-elétrico ou escola de samba com olhar de lobo faminto — foi a certeza de que, se existe um país capaz de fazer uma conferência climática movida a gerador barulhento e ainda assim arrancar aplausos, esse país é o nosso.

Esperar que um evento desse porte, no meio da Amazônia, comandado por Jader Barbalho, produzisse milagres… só se fosse milagre climático. E o clima está raivoso. E o mar não está pra peixe.