O burnout se revela como um sintoma coletivo de uma cultura de trabalho que confunde esgotamento com engajamento, produtividade e valor. O cansaço extremo, a ansiedade persistente, a perda de sentido no ofício não se explicam apenas por sobrecarga de tarefas, mas por uma lógica organizacional que legitima jornadas exaustivas, metas irreais e negligencia o bem-estar do trabalhador.
No Brasil, as estatísticas são alarmantes. Os benefícios concedidos por incapacidade temporária vinculados a transtornos mentais, como a ansiedade, episódios depressivos, reações ao estresse, saltaram de cerca de 201 mil em 2022 para cerca de 472 mil em 2024, um crescimento de 134%. Em 2024 foram registrados aproximadamente 472.328 afastamentos por transtornos mentais, o maior volume em pelo menos dez anos. Dados apontam que 64 % desses afastamentos em 2024 afetaram mulheres. Esses números mostram que o esgotamento no trabalho não é uma exceção, mas uma regra estrutural e, também, uma questão de gênero.
A construção desse cenário se dá em um ambiente que exige dedicação ilimitada, disponibilidade constante, banaliza o descanso e trata sinais de adoecimento como falhas individuais. O corpo alerta por meio de irritabilidade, distanciamento emocional, apatia ou queda de rendimento, sinais que são muitas vezes interpretados como desinteresse ou inaptidão, quando na verdade são gritos por ajuda, pelo direito a respirar e a existir além do trabalho.
Programas de bem-estar pontuais não transformam a realidade se a cultura organizacional mantém a lógica autoritária da produtividade a qualquer custo. Em várias corporações proliferam campanhas de autocuidado enquanto líderes tecnicamente competentes continuam reproduzindo padrões de controle, micromanagement e desconsideração da condição humana. A liderança que ignora a vulnerabilidade emocional, que não torna visível a escuta, que não dá espaço à desconexão, mina qualquer política de saúde mental.
A prevenção, portanto, exige respeito ao tempo, aos limites, à singularidade de cada pessoa. Significa garantir pausas reais, reconhecer o esforço de modo autêntico, valorizar a presença não apenas pelo que se produz, mas por quem se é. Significa permitir que trabalhar não sufoque a vida, que o valor humano não fique à mercê de metas.
O papel do RH e das lideranças é central.A comunicação precisa acontecer com clareza, a escuta deve ser ativa e deve haver coerência entre discurso e prática. Cuidar das pessoas é um investimento necessário para a sustentabilidade de qualquer organização. Nenhuma empresa pode prosperar se seu principal ativo — o humano — está adoecendo.
Essa transformação exige um romper com o paradigma onde empregados são vistos como custo e empregadores, como exploradores. No Brasil, onde as desigualdades de gênero, raça e classe atravessam as relações laborais, é preciso mudar o pacto, pois o lucro não pode continuar sendo obtido à custa da saúde, da vida e da dignidade.
O trabalho deve ser fonte de sentido e dignidade, não de exaustão e fragilidade.
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Taciela Cordeiro Cylleno é Juíza Federal do Trabalho há quase 15 anos, titular da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, presidente da AJUTRA e membro do Conselho Pedagógico da EJUD-RJ.

