Alberto Oliveira

A derrocada moral da BBC e o perigo que ameaça o jornalismo

O que está em jogo ultrapassa os muros da BBC

Foto: Ilustração Google FX IA

Por décadas, a BBC foi sinônimo de credibilidade. Seu nome evocava a imagem de uma instituição sólida, confiável, quase sacralizada, erguida sobre o compromisso inegociável com a verdade e a imparcialidade. Mas um memorando interno revelado pelo jornal The Telegraph, escrito por um dos conselheiros independentes do Comitê de Padrões Editoriais (EGSC), lança uma sombra devastadora sobre essa reputação.

O documento mostra uma BBC corroída por dentro. A corporação que um dia ensinou ao mundo o significado de “serviço público de comunicação” parece ter se transformado em uma máquina complacente, defensiva e ideologicamente enviesada -- incapaz de reconhecer seus próprios erros e, pior, disposta a distorcer fatos para sustentar narrativas.

O caso do programa Panorama sobre Donald Trump é um símbolo perfeito da degradação ética em curso. A edição adulterada de um discurso do então presidente americano -- veiculada pela BBC e que o fez parecer incitar violência -- é mais do que um erro jornalístico; é uma fraude contra o público.

O memorando revela que a manipulação foi comprovadamente denunciada, mas a alta direção da BBC preferiu negar o problema, escondendo-se atrás do argumento banal de que “é prática normal editar discursos em trechos curtos”. Não é. E jamais o foi.

Editar para esclarecer é parte do ofício jornalístico; editar para enganar é trair a essência do jornalismo. A recusa da emissora em reconhecer a manipulação e em corrigir o desequilíbrio na cobertura eleitoral norte-americana não é apenas falta de autocrítica -- é cumplicidade institucional com a desinformação.

A parcialidade política é apenas uma das faces desse colapso moral. O documento mostra como a BBC vem reproduzindo, sem crítica, uma agenda identitária e militante em temas raciais e de gênero, ignorando evidências, falseando estatísticas e tratando militância como fato.

No campo da cobertura sobre identidade de gênero, a denúncia é ainda mais grave: repórteres impedidos de pautar vozes discordantes, censura interna e um “capturamento ideológico” por grupos de pressão. O resultado é uma BBC que deixou de ser mediadora da realidade para se tornar curadora de uma visão de mundo.

A crise alcança o noticiário internacional, especialmente na cobertura do conflito entre Israel e o Hamas.

Segundo o memorando, versões em árabe de reportagens omitiram ataques terroristas, minimizaram o sofrimento de civis israelenses e amplificaram, sem verificação, as narrativas de grupos terroristas. A mesma BBC que durante a Segunda Guerra Mundial foi um bastião da resistência informativa contra o totalitarismo agora se curva ao relativismo moral, tratando assassinos como “combatentes” e vítimas como notas de rodapé.

O que torna o quadro ainda mais inquietante é a reação da própria cúpula da BBC. Diante de críticas internas consistentes, o padrão foi sempre o mesmo: negar, relativizar, desqualificar o mensageiro. O problema deixou de ser episódico para se tornar estrutural. A instituição que ensinou o mundo a checar fatos agora parece ter medo deles.

Essa doença da autodefesa é fatal para qualquer órgão de imprensa. Quando uma redação passa a justificar seus erros em vez de corrigi-los, o colapso ético é questão de tempo. O jornalismo só existe enquanto houver confiança; e a confiança depende de transparência, não de arrogância.

O que está em jogo ultrapassa os muros da BBC. Se a mais respeitada emissora pública do planeta se permite manipular, enviesar e silenciar, qual será o parâmetro para as demais? Cada vez que uma instituição desse porte distorce a verdade, ela enfraquece o próprio conceito de imprensa livre. A desinformação institucionalizada -- ainda que sob o disfarce de boas intenções -- é a antítese da liberdade de imprensa.

O episódio é um alerta severo: a credibilidade é um bem frágil, que se constrói em gerações e se perde em uma sequência de negações. O jornalismo que abdica da verdade para agradar à ideologia transforma-se em propaganda. E a propaganda, mesmo quando feita sob o logotipo de uma emissora centenária, continua sendo mentira.

A BBC ainda pode se reconstruir -- se tiver coragem de olhar para si mesma, admitir o erro e restabelecer o princípio que a fez grande: o compromisso inegociável com a verdade, doa a quem doer.

Caso contrário, estará não apenas enterrando a própria história, mas arrastando consigo a confiança pública em toda a imprensa mundial.