A terceira morte na Grande São Paulo por suspeita de consumo de bebidas contaminadas por metanol foi confirmada pela Prefeitura de São Bernardo do Campo. Trata-se do segundo caso fatal na cidade. Outra morte foi registrada na capital paulista.
Pela nota da prefeitura de São Bernardo, um homem de 45 anos morreu no sábado (27 de setembro) após ter sido atendido em hospital particular. Outro homem morreu em 24 de setembro, depois de atendimento no hospital de urgência da cidade.
Ainda segundo a nota, o Instituto Médico Legal da cidade investiga se a causa das mortes foi realmente a contaminação pelo metanol.
Já a prefeitura de São Paulo, por meio da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), da Secretaria Municipal de Saúde, disse em nota que está monitorando o cenário de intoxicação.
Segundo a prefeitura, os profissionais do Centro de Controle de Intoxicações (CCI-SP) estão orientados a fazerem o reconhecimento de sinais e sintomas, “visando diagnósticos e tratamento rápidos, assim como notificação dos casos suspeitos”.
A origem
Em entrevista à TV Brasil nesta segunda-feira (29), o diretor de comunicação da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) Rodolpho Heck Ramazzinio disse que o metanol importado pelo crime organizado para adulterar combustíveis pode ter sido redirecionado para distribuidoras clandestinas de bebidas, o que explicaria os casos recentes de intoxicação no estado de São Paulo.
Segundo Ramazzinio, este redirecionamento ocorreu principalmente após a Operação Carbono Oculto, da Receita Federal e órgãos parceiros, que desmantelou, no final de agosto, um esquema de fraudes, lavagem de dinheiro e falsificação no setor de combustíveis.
“Você tem as empresas interditadas, a transportadora dos caras, do PCC, fica parada [em razão da operação Carbono]. Os tanques, que não estavam dentro dos pátios dessas empresas começam a ser desovados em outras empresas. Eles começam a vender isso para empresa química, começam a vender isso também para destilarias clandestinas. Os caras fazem isso para ganhar volume, ganhar a escala, eles não estão nem aí com a saúde de ninguém", disse.
De acordo com o Anuário da Falsificação da ABCF 2025, o setor de bebidas foi o mais prejudicado pelo mercado ilegal em 2024, com perdas estimadas em R$ 88 bilhões: R$ 29 bilhões em sonegação de tributos e R$ 59 bilhões de perdas de faturamento das indústrias legalizadas.
A operação Carbono Oculto atingiu cerca de mil postos de combustíveis vinculados ao grupo criminoso, que movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
Segundo a Receita Federal, o metanol importado supostamente para outros fins era desviado para uso na fabricação de gasolina adulterada.
Casos suspeitos
A prefeitura de São Paulo informou que este ano foram registrados 14 casos suspeitos de intoxicação por metanol após o consumo de bebida adulterada. A morte registrada na cidade foi de um homem de 54 anos, da região da Mooca, morto no dia 15 deste mês.
Em 1992, quatro pessoas morreram e cerca de outras 160 tiveram sintomas, como náuseas. À época, o Instituto Adolfo Lutz atestou que as bebidas, consumidas em uma danceteria em Diadema, estavam contaminadas pelo produto, que é altamente tóxico.
Segundo registros da imprensa à época, os casos aconteceram em 27 de dezembro de 1992, quando cerca de 50 pessoas foram ao Hospital Público de Diadema com sintomas de intoxicação, como dores de cabeça, náusea e problemas nos olhos. Eles consumiram uma bebida chamada “bombeirinho”, mistura de vodca com groselha.
Posteriormente, em 5 de janeiro, mais 110 pessoas foram ao mesmo hospital da cidade do Grande ABC, sendo que 28 delas ficaram internadas e três morreram. A quarta morte aconteceu no município vizinho de Santo André, onde o corpo de um operário foi achado na divisa de São Paulo e o Instituto Médico Legal detectou o metanol.
Cachaça e cerveja contaminadas
Em 1999, a Bahia registrou 35 mortes em 10 cidades, por ingestão de cachaça contaminada com etanol.
Outro caso relacionado à contaminação de bebidas foi o da cerveja da marca Belorizontina, da Backer, em Minas Gerais. Na ocasião, 29 pessoas foram intoxicadas por dietilenoglicol, substância tóxica usada na fabricação de bebidas que vazou de um dos tanques de produção. Elas desenvolveram uma síndrome que causou insuficiência renal aguda. Desse total, dez pessoas morreram e 19 apresentaram sequelas graves.
Tire suas dúvidas
De onde vem o metanol? É a mesma coisa que o etanol? - Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o metanol é um composto orgânico da família dos álcoois, com um átomo de carbono, três átomos de hidrogênio e uma hidroxila cuja fórmula é CH3OH, sendo líquido à temperatura ambiente.
Para que serve o metanol? - É um dos mais importantes insumos na indústria química, sendo usado como matéria-prima para sintetizar produtos químicos usados na produção de adesivos, solventes, pisos e revestimentos. Em escala industrial, é produzido predominantemente a partir do gás natural.
Como é feita a regulação do metanol? - Em razão da toxicidade do produto, seu potencial como adulterador do etanol combustível e da gasolina, os riscos à saúde humana e à segurança pública, a ANP tem uma regulamentação rígida, que estabelece o registro obrigatório para a movimentação e o armazenamento do produto.
E o etanol? - Já o etanol é uma substância química produzida especialmente via fermentação de açúcares. As principais matérias-primas utilizadas para produzir etanol são cana-de-açúcar, milho, aveia, arroz, cevada, trigo e sorgo.
O etanol é seguro para consumo? - É seguro para consumo humano em quantidades moderadas, encontrado em bebidas alcoólicas.
O que é bebida alcoólica adulterada? - Bebida alcoólica adulterada é aquela que não atende ao padrão legal definido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e que teve a sua composição modificada indevidamente, seja pela adição, retirada, substituição ou modificação de ingredientes que podem levar o consumidor a erro ou colocar sua saúde em risco.
Quais sintomas são sinal de consumo de bebida adulterada? - O consumidor deve ficar atento a alguns sintomas pós-consumo como visão turva, dor de cabeça intensa, náusea, tontura ou rebaixamento do nível de consciência, isso pode indicar intoxicação por metanol ou por bebida adulterada.
O metanol pode ser adiciona a bebidas? - O metanol não pode ser adicionado a nenhuma bebida, em razão de ser uma substância altamente tóxica para os humanos. No entanto, pode aparecer naturalmente em algumas bebidas alcoólicas, em baixíssimas concentrações, em razão do processo de fermentação de açúcares e pectinas.
Qual é o limite para adicionar metanol nas bebidas? - O Mapa estabelece limites máximos de metanol residual que podem aparecer nas bebidas. Esses limites são muito baixos e não significam autorização de uso – apenas reconhecem que traços inevitáveis podem estar presentes.
Como saber se a bebida é original? - A orientação do Procon-SP é desconfiar de preços muito baixos, que, no mínimo, podem indicar alguma irregularidade como sonegação e adulteração.
Há outros meios para identificar adulteração nas bebidas? - Segundo o órgão, o consumidor deve observar a apresentação das embalagens e o aspecto do produto: lacre ou tampa tortos ou “diferentes”, rótulo desalinhado ou desgastado, erros de ortografia ou logos com “variações”, ausência de informações como CNPJ, endereço do fabricante ou distribuidor, número do lote, ou outra imperfeição perceptível.
É possível fazer teste caseiro para saber se a bebida está contaminada? - Ao notar alguma diferença, o consumidor não deve realizar testes caseiros como cheirar, provar ou tentar queimar a bebida. Essas práticas não são seguras nem conclusivas.
O que deve ser feito em caso de consumo de bebida adulterada? - Busque atendimento médico imediato: se houver qualquer sintoma suspeito, o consumidor deve procurar urgência médica sem demora.