Ilustração: Sora IA
Diversos lugares do Brasil têm maneiras peculiares para exprimir interjeições. Na Bahia é muito como se ouvir ôxe, um diminutivo de oxente, significando estranheza, espanto, ou mesmo indignação, entre contextos positivos e negativos, da dúvida até a ironia, com uma variedade de entonações, quase todas sempre com alguma graça, algo peculiar do jeito baiano de ser. Corresponde a uma variação do português arcaico no sentido de “ô gente”.
Em outros lugares, ao invés de ôxe, existem ué, eita, vixe, afe, arre, ôrra e uai, quase sempre seguidas de um ponto de exclamação, apenas para ilustrar outras famosas interjeições de forte caráter regional, aplicadas em situações específicas.
É fato que a matemática é um assunto a dividir opiniões. Questionar se alguém tem medo de matemática é algo salutar. Em geral, há alguma ansiedade, vinculada à emoção ou sentimento de muitas pessoas, que lembram de experiências recentes ou mesmo passadas envolvendo a Rainha das Ciências. Sendo a ansiedade algo que pode ser tratada de modo a atenuá-la, cabe de fato primeiro perguntar e depois ouvir. Um próximo passo é o de explicar.
A matemática lida com princípios bastante simples. Tome-se como exemplo a geometria. No sentido estabelecido pelo matemático grego Euclides de Alexandria (c. 325 - c. 270 a.C.), trata-se de uma teoria espacial, e tem origem na experiência humana de interpretar a natureza. Uma laranja pode ser concebida como uma esfera, e esta apresenta propriedades universais explicadas pela teoria do espaço enquanto um corpo sólido redondo onde todos os pontos de sua superfície distam igualmente de seu centro.
As palavras em matemática têm significado, e refletem a experiência de diversas civilizações antigas, como gregos, egípcios, babilônios, persas, árabes, etc. Teorema provém do grego θεωρ?ω ou theoréo, e significa ver no sentido de examinar. Teoria e teatro têm sentidos semelhantes, dada a mesma raiz em comum, ambas vinculadas à experiência de ver, observar. Já Theos em grego significa Deus ou ainda divino, no sentido de acreditar, ou contemplar. Em matemática, teorema significa ainda algo como “peço que prove”. O que se segue a cada teorema em matemática corresponde a particularidades que envolvem ideias às vezes simples, outras mais sofisticadas, em geral vinculadas a interessantes propriedades ou mesmo importantes aplicações.
A pergunta sobre quem tem medo de matemática remonta à celebre canção “Quem Tem Medo do Lobo Mau?”, conhecida pelo curta metragem de animação dos três porquinhos e do famigerado, astuto e meticuloso lupino. Lançada em 1933 pelos estúdios do roteirista, animador, diretor e empreendedor americano Walter Elias Disney (1901 - 1966), mais conhecido como Walt Disney, teve enorme repercussão ao redor do mundo, passando rapidamente ao imaginário popular de milhões de pessoas. Tal obra, que era parte de uma das dezenas da série “Silly Symphony” (algo como “Sinfonia Ingênua”), foi laureada com o Oscar de melhor curta-metragem de animação. A composição do filme foi elaborada pelos músicos e compositores americanos Frank Edwin Churchill (1901 - 1942) e Ann Ronell (nascida Rosenblatt, 1905 - 1993), com pelo menos três gravações, todas com pequenas variações de grandes orquestras conduzidas pelos músicos e líderes de bandas americanos: Don Bestor (1889 - 1970), Victor Young (1900 - 1956) e Benjamin Anzelevitz (ou Ben Bernie, 1891 - 1943).
Ao que parece, a origem da estória perdeu-se no tempo, sendo que algumas referências remontam as fábulas de Esopo (620 - c. 564 a.C.), o célebre escravo e contista grego. Restaram registros mais recentes, ainda que diversos do apresentado por Disney, por meio do folclorista australiano Joseph Jacobs (1854 - 1916) no livro “English Fairy Tales” (“Contos do Folclore Inglês”) de 1890, e antes deste pelo escritor inglês James Orchard Halliwell-Phillipps (1820 - 1889) no livro “Nursery Rhymes of England” (algo como “Cantigas de Ninar Inglesas”) em 1886. Já nestes contos é possível notar célebres passagens como as ameaças lupinas: “abra esta porta e deixe-me entrar” ou “vou inchar e vou soprar, e sua casa vai voar!”, embora sem a conhecida música, elaborada especialmente para o curta-metragem.
A alegoria dos três porquinhos certamente cabe no ambiente de sala de aula de matemática, onde podem ser avaliadas e analisadas algumas situações além das de moral e costumes. Em linhas gerais, para enfrentar a ansiedade, dificuldades e possivelmente o medo da matemática, identificada pelo lobo mau, cada discente pode tomar os exemplos dos porquinhos, que usaram de estratégias para confrontação e algo de coragem. A fábula popular visa ensinar lições sobre planejamento, trabalho duro e consequências de escolhas, ilustradas pela fabricação de casas com diversos materiais, a saber: palha, gravetos e tijolos.
Parte do sucesso do conto está nas rimas de zombarias e troças, na atitude heroica dos porquinhos protagonistas enfrentando um antagonista vilão, forte e assustador, na expectativa e nas repetições das ações, nas infames e ardilosas artimanhas, no clímax, e na possibilidade de entonação para interpretar cada um dos personagens com vozes agudas e graves, embaladas pela conhecida canção.
É preciso salientar a necessidade do esforço enquanto uma escolha razoável no aprendizado de matemática, ainda que esta apresente dificuldades, mas sem se esquivar da alegria e do prazer. Vale notar que, no desenho da Disney, todos os porquinhos adoravam música, tocando flauta, violino e piano, além de brincar, cantar e dançar. O ensino da matemática poderia ser mais interessante e prazeroso ao se ressaltar com maior intensidade suas qualidades e características, e não apenas o tecnicismo subjacente, algo tambem necessário – diga-se! A ansiedade matemática não pode continuar a espreitar cada sala de aula, ou boa parte dos lares, como se fosse um lobo mau...
É imprescindível transforma o “era uma vez...” do aprendizado de matemática em algo que satisfaça mais as necessidades daqueles que, por uma ou outra razão, se distanciam dos números, formas, padrões e estruturas de pensamentos. Uma maneira seria introduzir conceitos de modo um pouco mais livre, eventualmente com inspirações artísticas e literárias. Parte do trabalho de quem lida com matemática em sala de aula ou ainda acompanha o desenvolvimento intelectual de crianças em casa é nada mais do que transmitir confiança, reduzindo a ansiedade. Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que, durante qualquer aprendizado, é comum cometer deslizes e equívocos. A prática da paciência é outro importante exercício, ao buscar manter um controle emocional sem perder a calma, eventualmente tolerando erros que podem e devem ser observados e explicados.
O grande polímata italiano Leonardo di ser Piero da Vinci (1452 - 1519) escreveu certa feita que: “a paciência serve como proteção contra as ofensas assim como as roupas o fazem contra o frio; pois, se vestires mais roupas conforme o frio aumenta, este não poderá te afetar. De modo semelhante, a paciência deve crescer diante das grandes injustiças, e serão incapazes de atormentar sentimentos.”
Nesta vida contemporânea agitada e algo digital, desenvolver novas maneiras de introduzir conceitos e conteúdos matemáticos pode ajudar a melhorar na crescente ansiedade, mitigando-a, ao aumentar a confiança de quem pratica, ao introduzir ideias matemáticas de modo gentil e lúdico, mostrando a multiplicidade de maneiras na solução de problemas, bem como em trabalhos que possam ser feitos de modo colaborativo, e não somente via esforço individual. Estudar matemática não requer rapidez, nem mesmo memorização.
Na animação cinematográfica da Disney de 1933 há algumas piadas que passam desapercebidas de algumas crianças, como os desenhos e gravuras nas casas de palha e gravetos. Ao final, na parede da sala de tijolos, é possível observar, durante a cantoria suína a zombar de quem tem medo do lobo mau, os quadros da mamãe-porca e de sua ninhada de leitãozinhos a mamar vigorosamente, e do papai-porco, este na lembrança em imagens de presunto e linguiça. Ôxe!
Ninguém precisa ter medo de matemática. Como já cantavam os três porquinhos: tra-la-la-la-la!
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Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e professor visitante da UFSCar