Opinião

Dominando o dominó

Em termos históricos, a origem do jogo remonta à Dinastia Song

Foto: Pixabay/Creative Commons

O dominó é um jogo muito popular no mundo todo, particularmente no Brasil. Basicamente, consiste num conjunto de 28 peças de base retangular formando um prisma regular na forma de paralelepípedo. Em apenas uma das faces marcada por pontos há indicação de valores numéricos entre um e seis (além de espaços não marcados, sugerindo o zero), divididos em dois quadrados.

Assim, uma das peças (ou pedras, que remontam a uma possível origem do jogo) com dois e três é chamada de dois-três. Há peças com números iguais nas extremidades, assim como apenas numa mesma ponta, sendo estas chamadas de naipes, pela similaridade (apesar da simplicidade) com o jogo de cartas.

Todas as peças podem ser assim descritas: zero-zero; zero-um e um-um: zero-dois, um-dois e dois-dois; zero-três, um-três, dois-três e três-três; zero-quatro, um-quatro, dois-quatro, três-quatro e quatro-quatro; zero-cinco, um-cinco, dois-cinco, três-cinco, quatro-cinco e cinco-cinco; e zero-seis, um-seis, dois-seis, três-seis, quatro-seis, cinco-seis e seis-seis.

Reza a lenda que o nome do jogo provavelmente deriva da expressão latina “domino gratias”, ou seja, “graças ao Senhor”, dita por padres europeus após assinalar a vitória em uma partida. A palavra domingo tambem provém de dominica e de dominus, significando o primeiro dia da semana reservado para guardar ao Senhor.

Em termos históricos, a origem do jogo remonta à Dinastia Song, mais precisamente ao sábio chines Zhou Mi (1232 - 1298), que descreveu este conhecido passatempo chamado de pupai no livro “Wulin jiushi” (ou “Os Pioneiros Eventos em Wulin”), como era denominada a cidade chinesa de Hangzhou.

Além do tradicional jogo que pode ser feito em duplas, uma curiosidade surge ao se dispor dois conjuntos de peças de dominó lado a lado, aleatoriamente distribuídos e com a face voltada para baixo. Ao se revirar ao mesmo tempo duas peças, uma de cada grupo, qual a probabilidade de que sejam iguais?

A resposta, em termos probabilísticos, é a seguinte: ao se revirar tais duas peças, apenas duas situações ocorrem – ou não coincidem, ou se observam duas peças iguais. Tais condições perfazem um todo, ou ainda 100%, significando que é certo uma ou outra situação.

Parece ser uma observação tola, mas não se pode dizer que é não é correta. Com base nesta premissa, os(as) matemáticos(as) propõem o seguinte cálculo: a probabilidade de ocorrência de duas peças reviradas serem similares é igual a 100% subtraído da probabilidade de que as duas peças reviradas sejam diferentes.

Vamos supor que conhecemos a ordem de uma das fileiras (não importa qual delas), e simplificar para uma situação de observar apenas três peças diferentes em sequência. Digamos que sejam as peças zero-zero, zero-um e um-um, nesta ordem. Para facilitar, vamos chamar tal sequência de (ABC), respectivamente. Se na outra fileira existem as mesmas peças, e estas são sorteadas aleatoriamente, pode-se esperar apenas seis resultados: (ABC), (ACB), (BAC), (BCA), (CAB) e (CBA). As únicas sequências com peças sortidas que não se assemelham, sequer coincidem com a ordem da fileira prévia são: (BCA) e (CAB), ou seja, duas sequências em seis, ou seja, um terço.

Logo, a probabilidade de observar, admitindo haver três peças de uma fileira de dominó na sequência: zero-zero, zero-um e um-um (ABC), que ao menos uma peça coincidente seja sorteada na segunda fileira, em alguma ordem, é de um menos um terço, ou ainda, dois terços.

Dito de outro modo, tal situação pode ser verificada usando dos mesmos dominós da seguinte forma: se numa fileira houver a situação das pedras zero-zero, zero-um e um-um, apenas as sequências um-zero, um-um e zero-zero, além de um-um, zero-zero e zero-um não coincidem. Já nas demais, sempre é observado ao menos uma situação de coincidência de ao menos uma das peças na ordem estabelecida.

A situação acima é bem conhecida como um típico problema de desarranjos (em francês, “derangement”), ou ainda subfatorial, proposta esta do matemático francês Pierre Rémond de Montmort (1678 - 1719) no seu livro “Essay d’Analyse sur les Jeux de Hazard” (“Ensaio de Análise sobre de Jogos de Azar”), publicado em 1708.

Em linhas gerais, para uma sequência de três peças de dominó, há dois desarranjos. Se considerarmos uma sequência quaisquer de quatro peças de dominó, haverá nove desarranjos. O número de desarranjos aumenta muito rápido para sequências de cinco, seis, sete... peças de dominó, tornando o problema mais curioso. Para facilitar, existem sites e redes sociais que fazem tais contas sobre desarranjos, mas o mais curioso é que à medida que tais sequências de números crescem, a porcentagem de desarranjos fica cada vez mais próxima de 37 %.

O que a matemática afirma, com grande segurança, é que se utilizarmos dois conjuntos, cada um com todas as 28 peças do dominó, em qualquer sequência, haverá a probabilidade de pouco mais de 63 % de que ao menos duas peças coincidam quando reviradas ao mesmo tempo. Tal resultado basicamente provém da subtração de 100% por 37%, seguindo a premissa do raciocínio utilizando de poucas peças.

Grosso modo, quem domina o dominó tem boa chance de dominar conceitos matemáticos. Como se diz em latim: gratias mathematicasdomino gratias.

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Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e pesquisador do SENAI-CIMATEC