Comportamento

Como você está sendo manipulado para aceitar o que era impensável

Conceito ajuda a entender mudanças sociais, discursos políticos e estratégias de persuasão

Do impensável à norma

A Janela de Overton é uma teoria que explica como ideias antes consideradas impensáveis podem, com o tempo, tornar-se aceitas ou até populares. O conceito foi desenvolvido por Joseph Overton, ex-vice-presidente do Mackinac Center for Public Policy, nos anos 1990, e se tornou ferramenta fundamental para compreender a evolução de discursos políticos, transformações culturais e movimentos de opinião pública.

A janela representa a gama de políticas e ideias que são politicamente aceitáveis em determinado momento. Segundo a teoria, mudanças dentro dessa janela não ocorrem por imposição direta, mas por meio de um deslocamento gradual da percepção coletiva — um processo que pode ser natural ou estrategicamente manipulado.

A Janela de Overton é, basicamente, uma escala de aceitabilidade social e política.

Ela classifica as ideias segundo os seguintes estágios:

-- Impensável
-- Radical
-- Aceitável
-- Sensato
-- Popular
-- Política em vigor

Quando uma ideia se move do nível de “impensável” para “política em vigor”, ela percorre esse caminho de forma gradual, passando por transformações que a tornam cada vez mais palatável ao público.

O conceito não avalia o mérito ou a veracidade da ideia, mas sim o grau de aceitação social e política. Por isso, é utilizado tanto para explicar avanços progressistas quanto para alertar sobre manipulações autoritárias.

Joseph P. Overton (1960–2003) era um engenheiro e advogado norte-americano, com forte atuação no campo das políticas públicas. Ele trabalhou no Mackinac Center, um think tank liberal-conservador baseado em Michigan, que promovia políticas de livre mercado.

Overton morreu em um acidente de avião em 2003, mas sua teoria ganhou notoriedade após sua morte, especialmente entre analistas políticos e estrategistas de comunicação. Desde então, o termo “Janela de Overton” passou a ser utilizado em debates sobre opinião pública, manipulação da mídia e campanhas políticas.

Como a janela se desloca?

A movimentação da Janela de Overton não ocorre automaticamente. Ela pode ser:

-- Orgânica, quando reflete mudanças culturais e sociais espontâneas

-- Induzida, quando há ações deliberadas de influenciadores, políticos ou grupos de interesse

Os meios para esse deslocamento incluem:

-- Narrativas na mídia
-- Produções culturais (filmes, séries, literatura)
-- Repetição de discursos
-- Uso de eufemismos
-- Apelos emocionais
-- Criação de “inimigos” sociais

Um exemplo clássico: o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Durante décadas foi considerado um tabu. Com o tempo, passou a ser debatido, aceito em alguns círculos, até se tornar legalizado em diversos países.

Esse processo ilustra um deslocamento bem-sucedido da Janela de Overton.

Casos históricos: quando a janela mudou o mundo

Legalização da maconha - Nos Estados Unidos, o consumo de maconha já foi visto como crime grave. Hoje, a legalização — seja para uso medicinal ou recreativo — tornou-se pauta comum em diversos estados. O discurso foi normalizado por décadas de ativismo, filmes e debates públicos, deslocando a janela do “impensável” para o “legal”.

Avanço do nazismo na Alemanha - No sentido oposto, a ascensão do nazismo nos anos 1930 é um exemplo sombrio de como ideias radicais podem se tornar políticas em vigor. A desumanização dos judeus e outras minorias, inicialmente inaceitável, foi gradualmente “normalizada” por meio de propaganda, repressão e discursos nacionalistas.

Redes sociais e discurso de ódio - Nos últimos anos, discursos extremistas e desinformação ganharam espaço em redes sociais, deslocando a janela de aceitabilidade para ideias antes consideradas intoleráveis.

A normalização da violência simbólica online é um exemplo atual de como a janela pode ser manipulada por algoritmos e bolhas digitais.

Janela de Overton na política atual

Ambos os espectros políticos empregam estratégias inspiradas na Janela de Overton. Enquanto grupos conservadores buscam tornar populares ideias de segurança, moralidade tradicional ou nacionalismo, setores progressistas tentam avançar pautas de diversidade, equidade e justiça social.

Segundo o cientista político Cass Sunstein, “a disputa política, muitas vezes, é uma disputa pela moldura do aceitável — pelo controle da janela”.

O papel da mídia

A imprensa tem papel central na definição do que é discutido. Ao dar visibilidade a certas pautas e ignorar outras, ajuda a moldar os limites da janela.

Como alerta Noam Chomsky, “a função da mídia não é contar o que pensar, mas dizer sobre o que pensar”.

A manipulação estratégica da janela

Empresas de marketing político e comunicação institucional utilizam o modelo da Janela de Overton como base para modificar percepções públicas. Isso é feito por meio de:

-- Introdução de ideias extremas para tornar moderadas mais aceitáveis (efeito de contraste)

-- Normalização via entretenimento (“soft power”)

-- Redefinição semântica de conceitos (ex.: “reforma”, “liberdade”, “valores”)

Exemplo prático: armamento civil - Nos Estados Unidos, o debate sobre o porte de armas mostra como a janela pode ser movida em ambas as direções. De um lado, há movimentos que lutam pela regulação; de outro, campanhas que associam armas à liberdade pessoal, deslocando o tema para dentro da normalidade política.

Críticas e limitações do conceito

Apesar de sua utilidade explicativa, a Janela de Overton também é alvo de críticas:

-- Foco excessivo na percepção e não no conteúdo ético ou factual da ideia

-- Redução da complexidade social a uma “janela” linear

-- Uso ideológico por grupos para deslegitimar mudanças

Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, “a normalização não implica em verdade ou justiça. Algo pode ser comum — e ainda assim injusto”.

Como resistir à manipulação da Janela?

A chave para não ser manipulado por deslocamentos artificiais da Janela de Overton é desenvolver:

-- Consciência crítica: questionar o que se torna “aceitável” e por quê

-- Educação midiática: entender como narrativas são construídas

-- Diversidade de fontes: consumir informações de múltiplos veículos

-- Ativismo ético: defender ideias com base em princípios, não apenas em modismos