José Grimaldi

O dia em que o pato errado veio voando bem na minha direção

Alinhei a 12 e caprichando no alvo, mandei chumbo


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: ChatGPT AI

Fomos para Ipirá. Eu, Arthur, Antonio Couto, Trevisan, Armandinho, Jorge Costa, Zé Joaquim e Fonseca, nosso perdigueiro vindo de Aramari.

Sendo feriado na sexta-feira, partimos na véspera, ao final da tarde. Por volta da meia noite chegamos ao destino.

Hóspedes de Jurandir Oliveira, nosso anfitrião e prefeito, passamos três dias rodando pelos pastos da região, sempre com as portas das fazendas abertas pelo alcaide. Era só dizer que foi Jurandir quem mandou e estava tudo bem.

Lembro, ainda, de um belo cosido que nos foi oferecido, regado com umas bem geladas. Para combater o calor do semi-árido, nada melhor.

A programação incluía sempre acordar às 4h30 e partir para os pastos, evitando assim  o sol quente depois das oito horas.

Nos dois primeiros dias só conseguimos abater algumas codornas do tipo pimpão. Jurandir querendo nos agradar dizia que na fazenda de fulano tinha perdizes. Em todas que fomos não achamos nada. Pra compensar resolveu nos oferecer uns patos que havia em grande quantidade nos açudes da fazenda de seu irmão Etevaldo. Podem ir que já estou falando pelo rádio com o administrador.

Após o acesso fácil, rodamos por diversas mangas e só achamos codornas. Por fim, sem outra alternativa, já que perdiz que é bom, nada, partimos para os patos. O açude era enorme e como o próprio nome da fazenda dizia, parecia um oceano. Realmente havia muito pato, marrecos, mas dava para divertir e esquentar os canos das espingardas. Na água o nosso meio de transporte para ir buscar os abatidos era uma bóia de pneu de caminhão, sempre bem pilotada por Trevisan.

Enquanto a turma se divertia com os marrecos, eu e Arthur fomos dar uma volta em outro açude. Segundo comentários, havia na região uns  bandos de patos verdadeiros, também chamados de asa branca. Já era final de tarde e o crepúsculo dominava o cenário com uma vermelhidão digna dos sertões. Quando não tínhamos mais esperança, observamos um bando se aproximando de uma grande pedra no meio do açude. O maior de todos, deu um rasante e pousou em cima do lajedo. Estando mais próximo do alvo, ouvi Arthur dizer:

- Guima, fogo no mineiro!

Alinhei a 12 e caprichando no alvo, mandei chumbo. O pipoco reverberou, chamando a atenção de quem estava por perto. O pato era tão grande , que ao cair dentro d’água chegou a fazer marola na tranqüilidade do açude. Fui rápido, atirei-me na água e peguei o meu troféu, enquanto Arthur, feliz pelo nosso feito, dizia:

- Vamos traçá-lo em nosso tugúrio! Para um bom magret, um belo tinto!

Fazíamos planos para o ágape quando o administrador da fazenda chegou aos gritos:

- Vocês mataram o pato de estimação de Dr. Etevaldo!

- Que nada, rapaz isso é um pato mineiro, chamado asa branca.

- Que asa branca porra de nada. Dr. Etevaldo vai me demitir por ter deixado vocês entrarem na fazenda.

- Calma, amigo. Não foi proposital. O pato veio da daquela direção e pousou no lajedo. Não imaginávamos que fosse um animal doméstico.

Os nossos argumentos não convenciam o vaqueiro, que resmungava e saiu correndo para comunicar o fato ao dono da propriedade.

- Cambada de filhos de uma égua!

Voltamos para a cidade e antes de qualquer depoimento de nossa parte, Jurandir já sabia de tudo. Acalmou-nos,  dizendo que era exegero do vaqueiro e no mais aquilo tudo não passava de uma exacerbada frescura do irmão. Ele pessoalmente resolveria a situação sem maiores problemas.

O certo é que o belíssimo exemplar do pato, pesando mais de quatro quilos, veio para Salvador, devidamente acondicionado e foi o prato principal de um belíssimo convescote no sábado seguinte.

Na segunda-feira, tentando minimizar o ocorrido, Arthur mandou Zé Joaquim comprar um casal de gansos na feira de Água de Menino. Ainda no mesmo dia levou os penosos de presente para Dr. Etevaldo, em Ipirá, com um cavalheiresco cartão de  cumprimentos e um solene pedido de desculpas pelo equívoco.

No final ficou tudo em paz, mas nunca mais voltamos a Ipirá.