Opinião

Conjuntos e contrastes em diversas artes

Ideias e conceitos são abstrações muito caras às arte

Qualquer personagem é composto de partes, e todas estas compõem um todo, representando sua essência por meio de características.

Há um saber, diverso das artes, que compreende muito bem partes e o todo, e como em muitas artes, quase sempre é incompreendido. Trata-se da matemática.

Ideias e conceitos são abstrações muito caras às artes, e isto não é diferente da matemática. Tomemos por exemplo o conceito primitivo de conjunto, que trata das relações entre objetos e coleções por meio de pertinências. Se um objeto, entendido como um elemento, compõe certo conjunto, diz-se que há um pertencimento, vinculando uma característica.

Um personagem principal requer certas características que compõem um conjunto específico pertencente a uma obra bem compreendido na literatura universal, ainda que existam tendências e épocas diversas ao longo da história da humanidade. Diversos personagens criam um todo dentro de uma trama, sendo uns complementares a outros, apesar de contrates nem sempre evidentes.

A matemática também é uma linguagem universal, que permeia todos os povos e culturas, sendo que em algumas delas sua identidade é plural, e não singular, como comumente escrito em português. De fato, diz-se matemáticas em diversas línguas como em espanhol, francês ou grego, implicando em algo que pode ser visto não apenas de um único modo, conjugando cultura erudita e universal com culturas populares e locais.

De certa forma, o modo de ensinar matemática não é bem visto por ser erroneamente apresentada de modo excessivamente abstrato, sem contexto, tornando mais difícil o aprendizado. Uma maneira de atenuar tal dificuldade poderia ser por meio das artes, como a literatura ou a música, que em boa medida apresentam práticas e vivências cotidianas, algumas com viés estético – outro termo caro a profissionais da matemática.

Certa feita, o advogado, professor, político e escritor brasileiro Ariano Vilar Suassuna (1927 - 2014), autor de obras imortais como o “Auto da Compadecida” (1955) – sendo que seu segundo filme encontra-se em cartaz nas salas de cinema nacionais, a celebrar uma década de seu passamento: “a verdadeira universalidade respeita as singularidades locais. Todos entram com sua parte, compondo a vasta sinfonia da cultura. Ela é feita de contrastes, que não são contrários, mas complementares.”

Matemática é, enquanto conhecimento, tambem cultura, e desta forma, cheia de contrastes que não são necessariamente contraditórios, e sim complementares. De certa forma, a famosa frase de Chicó, um dos célebres personagens de Suassuna, interpretado pelo ator e diretor brasileiro Selton Figueiredo Melo (n. 1972), que está sempre a dizer: “não sei, só sei que foi assim”, representa algo de contraste, apesar da aparente contraditoriedade.

Como as artes, a matemática visa entender coisas, e boa parte delas não precisa ser compreendida, por evidente. Contar é evidente. A beleza é evidente. Admitir a existência de um ponto é evidente, e que cada ponto de uma circunferência guarda a mesma distância de um centro, idem. Certamente há outras situações e exemplos que requerem mais atenção – não seria assim tambem em qualquer arte, onde há sempre algo a mais a encantar, a surpreender?

Assim como as artes, as matemáticas não morrem – permanecem existindo “como a massaranduba do tempo” (em legítimo saber chicóense) para a posteridade, exatamente por ser essencial, e não efêmera, com seus conjuntos, contradições e contrastes.

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Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia