Ciência

Flicts: a verdadeira cor da lua

Em memória do advogado, jornalista, escritor e cartunista brasileiro Ziraldo Alves Pinto (1932 - 2024)

Era uma vez um menino maluquinho que adorava brincar, desenhar e contar estórias. Era também muito traquinas e curioso, e uma vez quis saber qual é a cor da Lua. Seria uma das cores do arco-íris? Estaria pintada em alguma aquarela? Ele apenas sabia que a Lua não tinha a imensa luz do amarelo que tem o Sol, nem a paz do azul do céu.

Na escola aprende-se quantas e quais são as cores do arco-íris. São muitas, mas é possível afirmar que todo arco-íris conta com pelo menos sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, como numa caixa de lápis cheia de tons.

Uma destas, não muito conhecida, é chamada Flicts. Não é uma das sete de uma paleta de cores. Não está nem mesmo nas bandeiras dos países, nem num beijo azul, no céu cinzento ou na cor inconstante do mar, mas está lá, escondida na célebre canção “Aquarela”, um verdadeiro hino da lavra de Antonio Pecci Filho (conhecido por Toquinho, n. 1946), cantor e compositor brasileiro, Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes (1913 - 1980), diplomata, escritor, poeta, cantor e compositor brasileiro, Guido Morra (n. 1956) e Maurizio Fabrizio (n. 1952), ambos compositores italianos.

Cansado de procurar este tom particular na paleta de cores do universo, um dia o menino maluquinho parou, olhou para longe, bem longe, e viu a cor Flicts subir. E assim, subindo, e subindo, foi ficando tão longe, subindo e sumindo... E sumindo, sumiu. De modo que o olhar mais agudo não podia adivinhar para onde tinha ido, para onde tinha fugido, ou em que lugar se escondera.

Todo menino ou menina, maluquinho(a) ou não, sabe que, ao se observar o céu num dia claro, mesmo com o Sol por perto, a Lua briga com o brilho do astro solar, e a Lua está azul. Mas quando ela aparece nos fins de tarde de outono, do outro lado do mar, surge como uma bola de fogo redonda e vermelha. Já nas noites muito claras, a Lua é de prata e também de ouro, como uma enorme bola amarela. Só que ninguém sabe a verdadeira cor da Lua além das crianças, por seu coração puro, dos poetas, a sonharem com ela, ou dos astronautas, pois é preciso vê-la de pertinho.

Certa feita, o grande poeta, farmacêutico, contista e cronista brasileiro Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987) afirmou que aprendeu com o pai do menino maluquinho que “o mundo não é uma coleção de objetos naturais, com suas formas respectivas, testemunhadas pela evidência ou pela ciência; o mundo são cores. A vida não é uma série de funções da substância organizada, desde a mais humilde até à de maior requinte; a vida são cores.

Tudo é cor... Flicts é a iluminação – afinal, brotou a palavra – mais fascinante de um achado: a cor, muito além do fenômeno visual, é estado de ser, e é a própria imagem. Desprende-se da faculdade de simbolizar, e revela-se aquilo em torno do qual os símbolos circulam, voejam, volitam, esvoaçam – flyflitfling – no desejo de encarnar-se. Mas para que símbolos, se captamos o coração da cor?” Este relato está na obra Flicts, um livro infantil de grande sucesso escrito pelo pai do menino maluquinho em 1969.

Com o passar de anos bem vividos, o pai do menino maluquinho ficou velhinho. Um cara bem legal, curioso, traquinas e esperto, que se chamava Ziraldo Alves Pinto (1932 - 2024), advogado, jornalista, escritor e cartunista brasileiro, além de grande contador de estórias. Quando queria fazer chover o fazia facilmente, pois com dois riscos tinha um guarda-chuva; e quando girava um simples compasso, num círculo criava seu mundo; numa folha qualquer desenhou diversos Sóis amarelos, sendo que o último descoloriu, numa ensolarada tarde de sábado, seis de abril. Neste instante, um pinguinho de tinta na forma de lágrima caiu num pedacinho azul de papel, sendo possível imaginar uma linda gaivota a voar no céu.

Anos antes, entusiasmado qual um menino ao encontrar o primeiro homem a pisar na Lua, o astronauta e engenheiro espacial americano Neil Alden Armstrong (1930 - 2012), numa visita ao Rio de Janeiro, poucas semanas após retornar da celebre missão Apollo 11 ao satélite lunar, junto com alguns bons amigos e bebendo de bem com a vida, Ziraldo pode finalmente perguntar qual era a cor da Lua, que Armstrong confirmou ser, realmente, Flicts.

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Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia